O CASO MENTAL PORTUGUÊS. O BLOCKOUT

Escrevi no último poste “…blockout…”. Até hoje ninguém veio a terreiro a reclamar o erro. Pois bem, quem sou eu para se importar com isso. Confesso-vos que não se trata de um erro na vigência, quer do actual passado, quer do actual futuro acordo ortográfico, nem tampouco de um lapsus calami. Foi antes, acreditem, um jogo de espírito com alguma matreirice a soar a rasteira.
Está em blockout subjacente a fusão dos termos “bloqueio” e “lockout”. A aplicação de cada um ao caso em apreço não careceu de uma explicação detalhada pois apreendia-se por si directamente. Hoje, só o afastamento no tempo das ocorrências a que o postal se referia justifica uma explicação breve pois, como se sabe, a memória do povo, e os interesses da comunicação social, só dão pela notícia, como o apreciador de peixe, enquanto está fresca.
Foi de facto um bloqueio em múltiplos sentidos: bloqueio de estradas, impedindo ou dificultando o trânsito rodoviário; bloqueio do fluxo de mercadorias, impedindo a sua chegada aos locais de consumo; bloqueio ao Estado, impedindo o exercício da sua função regularizadora da vida nacional. Foi também um lockout enquanto paralisação da actividade ditada pelas entidades patronais, decisão essa que, uma vez tomada, impedia o acesso ao trabalho dos seus empregados.
O que ganhámos na fusão de dois num único termo? Economia de palavras, não me parece. Um acréscimo de significação? Sim. É sobre essa mais valia a que se refere o postal de hoje.
O blockout é um jogo da família do Tetris em que as peças bem como o espaço de jogo são tridimensionais. A tarefa consiste em rodar e mover cada peça, à medida em que vai aparecendo, de modo a acamá-la sem deixar espaços em branco. Cada linha completamente preenchida pontua e desaparece, fazendo baixar a pilha de peças. Caso contrário, a pilha cresce até ao topo e o jogo termina.
Foi o que me sugeriu o lockout dos camionistas: sempre que um camião parava, paravam os pontuadores da criação e da redistribuição da riqueza nacional. E não há més nem memés: os números têm a crueldade das coisas verdadeiras!
Quem são os camionistas? A que grupo pertencem, aos grandes ou aos pequenos? Qual é a sua posição mental: mania ou depressão? São um grupo isolado ou partilham características com um grupo maior?
Comecemos pelo fim. Em Portugal, há uma classe social de estatuto médio e com características híbridas. São os pequenos e médios proprietários/empresários/patrões. Proprietários agrícolas, pescadores, comerciantes locais/tradicionais, camionistas, construção civil, pequenas e médias indústrias.
Pelo trabalho esforçado amealham riqueza, estatuto social e ostentação. São donos, forma demótica de ser proprietário; e são patrões, forma empresarial de ser paternalista.
Pelos baixos níveis de formação e por extracção social, são povo: ética do trabalho, linguagem rudimentar, modos e gostos grosseiros, baixo empreendedorismo, pouca inovação e renovação tecnológica.
Pelo poder, capacidade económica e jactância, são grandes. Pelos modos, saber e valores, são arraia miúda. Pelo lado da grandeza, são politicamente conservadores; pelo da miudeza, radicais e anarquistas. Não admira, portanto, que sejam requestados e arregimentados, tanto pelos partidos políticos de direita, como de esquerda.
São a base do poder popular desde a idade média nacional (revolução de 1383) e podem encontrar-se nos dois lados das trincheiras das lutas políticas (restauração, miguelistas e liberais, revoluções e contra-revoluções na Republica e no 1926, movimentos radicais à esquerda e à direita no PREC e no após 25 de Abril).
Estão contra as grandes empresas, nacionais ou estrangeiras, que os abafam. Pequenos comerciantes contra as grandes superfícies, pequenos camionistas contra grandes empresas de camionagem, pescadores nacionais contra empresas espanholas, agricultores contra as políticas agrícolas comuns. Pequenos livreiros, Leya e crise na Feira do Livro de Lisboa.
Estão contra os assalariados com acusam de preguiça, consumismo, falta de espírito de poupança. Habituados a trabalhar (“cedo erguer”) e a aferrolhar. Frugalidade. Ostentam superioridade moral e valores a condizer.
Em relação ao Estado é a classe mais subsídio-dependente. O Estado funciona como uma grande companhia de seguros: tem que protegê-los da Comunidade Europeia, do estrangeiro, das calamidades naturais, das crises económicas ou financeiras, das reivindicações dos assalariados.
É uma dependência sem contrapartidas numa economia subterrânea onde é típica, sobretudo na construção civil e nas pequenas empreitadas domésticas, a fuga aos impostos facilitando o cliente com a não emissão de facturas.
Comove-me saber que pararam a paragem para ver o Europeu. Comove-me saber que sofreram com a derrota.
São os bipolares, uma grande minoria neste país profundamente dividido.
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O CASO MENTAL PORTUGUÊS. ONDE SÃO REVELADAS NOVAS DIMENSÕES DA MANIA DE GRANDEZA.

Escrevi atrás: “ O que de específico se vislumbra no caso mental português é o facto de não termos uma elite, um escol, uma classe elevada de condutores. Temos, a ocupar o seu lugar, os “grandes”: a desaristocracia do desenrascanço bacoco dos patos bravos de todas as áreas e actividades económicas, [...]”.
Assistimos, nestes dias que passam, tristes e sem fim à vista, ao blockout dos camionistas. Dá-se a ver um espectáculo aterrador, de telejornalismo de catástrofe, um cenário de ante-estreia de guerra civil. Um punhado de salteadores de estrada armaram a cilada a um Estado fraco, incompetente e desautorizado e preparam-se para se apossar, pela força bruta e acéfala de que dispõem, de parte das escassas economias do Orçamento, que é dinheiro nosso, do povo que trabalha, que se cansa, que desconta e que espera, no infortúnio da doença, da incapacidade, do desemprego ou da velhice e viuvez, que a Nação lhe mitigue o penar da sua condição sofredora.
As donas de casa de Santiago saíram com as suas panelas à rua e o poder democrático caiu no Chile banhado em sangue. Nas estradas de Portugal, os camionistas desafiam o povo português e os poderes, bons ou maus, mas que foram por ele constituídos e legitimados.
As estações de serviço estão a secar por todo o lado, as prateleiras das superfícies comerciais esvaziam-se, os produtores deitam à lixeira os produtos do seu trabalho, empresas não recebem os suprimentos de que carecem para produzir, os transportes públicos encostam. Empresas irão certamente fechar acrescentando novos recrutas ao exército dos desempregados. As veias e as artérias por onde flui a riqueza nacional decidiram entupir para melhor asfixiar o cérebro que governa e paralisar os braços e mãos que trabalham. Estupidez não lhes falta e sobra-lhes a ganância.
O poder vai cair na rua, melhor vai cair na estrada. O povo sai vencido, dividido, confuso. A culpa não é sempre do Governo? Se o preço do barril sobe, a culpa é do Governo; se as multinacionais deslocalizam as suas empresas, a culpa é do Governo; se chove ou faz seca, a culpa é do Governo. E que faz o Governo? Defende o povo das emboscadas dos bandoleiros de estrada? Não! Concilia, dialoga, pactua.
E o povo, a arraia miúda, que vê e assiste, o que faz, o que pensa? Que somos os maiores: derrotámos a República Checa por 3-1! Toca a ir para os santos populares a enfardar sardinha assada, escorropichar tintol e cantar o fado.
Depois, se ganharmos o Europeu, iremos todos a Fátima de joelhos.
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Porque não sou ateu?

Quando se pergunta a razão por que não se é alguma coisa parece estar implícito que há algo que indiciaria objectivamente, ou que alguém poderia ter sérias razões para pensar, que se pode ou se deve ser o que se diz não ser.
Bertrand Russell ao interrogar-se porque não é cristão analisa sistemática e minuciosamente vários aspectos que considera relevantes do que é ser cristão. Nunca afirma explicitamente que há razões pelas quais vale a pena não ser cristão, que apenas fica implícito na desvalorização racional e ética do cristianismo que sustenta em cada tópico da sua dissertação. A sua proposta final é, de certo modo, comum a todos os ateus contemporâneos: cortar com os grilhões do passado, manter a lucidez e olhar o presente e o futuro da humanidade com mais inteligência.
O tipo e a estrutura da abordagem parecem-me bons pelo que irei segui-los na defesa do problema que se albergou na minha interrogação inicial.
Assim, deverei começar por esclarecer o que entendo ser “ateu”, estabelecer o âmbito das propriedades que limitam o conceito, analisar e avaliar a bondade de cada uma das propriedades e, finalmente, apresentar uma proposta decorrente das conclusões obtidas.
O ateísmo caracteriza-se pela oposição racional ao teísmo através da postulação de argumentos que negam a existência de deus, rejeitam a a superioridade ética da vida religiosa e mostram alguns efeitos perniciosos para o bem estar da humanidade de comportamentos e atitudes assumidas ao longo da História pelas comunidades confessionais e suas hierarquias. Estou a assumir o termo “teísmo” em termos muitos gerais que vão desde o panteísmo aos monoteísmos: quer se trate de acreditar num deus único, no carácter divino do universo ou na divinização de múltiplas forças naturais ou sociais, é a natureza do divino, e não as suas figurações, que importa analisar. Por outro lado, também, não farei distinções entre o teísmo e o deísmo, pelas mesmas razões. Aceitar a existência de deus tem para o ateu um significado que é independente dos seus atributos. O ateu acha que deus não existe sob qualquer forma.
E o agnosticismo? Não será o agnosticismo uma forma mestiça, híbrida de ateísmo e teísmo? Uma pessoa que se diz agnóstica confessa, em termos práticos, a sua incapacidade para tomar parte da questão. Se calhar, deus não existe; se calhar, deus existe. Para o agnóstico, não é possível tomar uma decisão face a um problema dessa magnitude; a questão está fora do alcance da capacidade de conhecimento (
gnose) humano; por conseguinte, cada um é livre de assumir as atitudes e professar as crenças que bem entender.
Face a uma tal posição, compreende-se que o agnóstico seja arrumado pelos teístas na prateleira em que estes colocam os ateus; inversamente, um ateu tenderá a ver no agnóstico um teísta indeciso.
Resumindo, o ateísmo é uma posição que se autopercepciona como distinta e contrária ao teísmo, ao deísmo e agnosticismo.
Em termos positivos, o que é que caracteriza o ateísmo?
O aspecto decisivo, que estabelece o corte com as restantes posições deste universo, é a crença na não existência de deus fundamentada racionalmente. Não abordarei os argumentos clássicos desta posição que estão solidamente estabelecidos e bem apresentados e difundidos. A exposição de Russell na dissertação referida mantém nos dias de hoje plena actualidade. Mas os mesmos argumentos têm sido reformulados de uma forma mais consistente e melhor apoiados no conhecimento científico actual o qual não cessa de dar contributos para reforçar a posição ateísta. A propósito recomendo a leitura das obras do sociobiólogo Richard Dawkins ou do filósofo Daniel Dennett.
O segundo aspecto do ateísmo é identificar as motivações e os processos biológicos e culturais que ao longo da evolução da espécie conduziram à consolidação das ideias de deus e da religião e analisar de que maneira e em que grau as religiões positivas contribuíram para confortar ou aviltar o ser humano. O pendor constante na história para este último efeito constitui um novo tipo de argumentos a favor do abandono da ideia de deus.
O terceiro aspecto é de que nada serve negar a existência de deus e a ineficácia das religiões para a resolução dos problemas humanos se isso não conduzir à procura de uma explicação racional e coerente sobre o homem e o universo. O ateísmo introduz aqui uma visão libertadora sobre o medo e sobre todas as forças exploradoras do homem, assume uma crença positiva a respeito da capacidade da inteligência para resolver ou minorar os problemas humanos e defende a visão naturalista do mundo baseada no conhecimento científico.
Porque não sou ateu? Porque não sou ateu se nego a existência de deus, se considero as religiões uma das principais causas ou desculpas do obscurantismo e das misérias humanas, se tenho uma orientação positiva para a humanidade e a natureza?
Considero o pensamento humano - em que incluo a consciência, os processos cognitivos, o mundo simbólico das linguagens, das ideias e dos discursos, os sentimentos, as memórias internas e as externalizadas em artefactos,
et cetera – como um conjunto de objectos biológicos com vida própria e constituído em sistema. Como sistema vivo é um sistema evolutivo no sentido em que é suficientemente diferenciado para prover adaptações às mudanças ambientais que põem em risco a sua sobrevivência.
O pensamento humano é um sistema complexo evolutivo paralelo e autónomo face ao sistema vivo natural.
Embora tenha sido inicialmente criado pelas faculdades biológicas da espécie (ou co-desenvolvido com estas) para proteger e ampliar a sua capacidade de sobrevivência, ao adquirir autonomia e ao expandir-se, passou a ter por lógica interna a auto sobrevivência a todo o custo mesmo que esta represente a liquidação da espécie humana ou do planeta.
Símbolos como deus, o estatuto ou o dinheiro, ou ideocomplexos, como a religião, a raça ou o mercado, são tão arcaicos e tão infra-estruturantes de todo o sistema simbólico que este arrisca-se a ruir se algum deles for mexido. É nessa lógica guerreira que assenta o fanatismo, o proselitismo e o espírito evangélico de todas as confissões, ideologias, seitas, clubes. E também a sua magia e o seu maravilhoso.
Contudo, o homem está ameaçado como está o planeta pelas mesmas razões. Aquilo a que atribuímos a criação do mundo e da espécie está a contribuir de uma forma acelerada para a destruição da Terra e do Homem. Neste caso, torna-se vital combater deus activamente, não chega negar a sua existência. A constatação do facto de deus não existir em nada altera a condição humana. Mas a sobrevivência da sua ideia é nefasta pelo que tem que ser combatida.
Mas, dir-me-ão: esta não será uma posição intolerante, anti-democrática? Verificando-se que há uma esmagadora maioria de pessoas crentes, tomar uma atitude francamente hostil para com a religião não será desrespeitar os sentimentos das pessoas, atentar contra a liberdade de pensamento e de culto, rejeitar a um ror de gente um bálsamo e um lenitivo para as suas grandes dores e tristezas?
Contra isso não posso argumentar que foi isso mesmo que os cristãos de todas as versões fizeram a maior parte do tempo ao longo de dois milénios, que é isso que o terrorismo islâmico faz, que todas as religiões fazem. Não se trata de fazer pagar, de forma jacobina, com igual moeda.
O ideário nazi foi partilhado por uma maioria de alemães e teve apoiantes em todo o chamado mundo livre. Que apoiaram os esforço de guerra, propagandearam ideias racistas e xenófobas, que fecharam os olhos aos campos de extermínio. Os alemães que se opuseram não se sentiram eticamente culpados por “ferir os sentimentos da maioria”, lutaram para exterminar o nazismo e não se sentiram “antidemocráticos”. A atitude que devemos ter perante o fascismo, a xenofobia, o racismo, o latrocínio, o genocídio e o geocídio é de combate.
Ser
afascista, isto é negar as proposições do fascismo, e não o combater não é nada. Do mesmo modo não é nada ser
ateu
Se ser
antifascista é combater a loucura do fascismo e educar o cidadão para a vida democrática, ser
antiteísta é combater a loucura mística e preparar a humanidade para o luto de deus.
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O Estado da Nação
Há quase meio século, estávamos em regime fascista, estudava-se o conhecimento (permitido) da coisa pública. Como cidadãos arregimentados tínhamos obrigação de conhecer e reflectir sobre os fundamentos das nossas obrigações para com o Estado e da nossa devoção para com a Nação eterna. A matéria em causa era apelidada de “Organização Política e Administrativa da Nação” e conhecida abreviadamente por OPAN.
A fonte oficial de conhecimento era obviamente vesga no que se referia ao conteúdo e enviesada quanto à isenção intelectual e ética. Mas tinha uma virtude irrefutável: abria-nos um apetite voraz pela matéria que nos impelia à procura obsessiva de um complemento de suprimentos alimentares noutras fontes no grande mercado das ideias.
Em tudo o regime actual se opôs ao regime fascista.
Se o regime fascista tinha um Estado forte a governar a Nação, anda hoje a Nação a desgoverno e o Estado a governar-se como pode. Parece a Nação a locomotiva lançada sem condutor a todo o vapor por esses carris fora; as forças que a governam são todas exteriores; a sua acção limita-se apenas a agulhar os carris de modo a frenar ou a acelerar a sua velocidade e a imprimir-lhe rumo e orientação; o Estado é a mão-de-obra que essas forças utilizam para materializarem os seus desígnios.
Tinha o regime fascista aparelhos, de propaganda ou de repressão, para ecoar os sentimentos fervorosos dos adeptos ou silenciar as consciências dos opositores. Não era formalmente nem materialmente uma democracia mas teve o mérito de ser um viveiro de democratas, esclarecidos e activos. Hoje, a Nação limita-se a ter uma “democracia” meramente formal e residual, apoiada sobre o voto inútil e a farsa do “estado de direito”, o aparelho repressivo da “economia de mercado”.
O regime fascista tinha uma mão forte sobre a economia, cujos sectores “core” estavam nacionalizados ou sob tutela, conseguindo garantir uma economia de sobrevivência num mundo isolado e cercado. Conseguiu o regime actual desmantelar e vender precipitadamente e ao desbarato todo o património público e deixar-se o Estado enlear e manietar pelo obscuro sistema financeiro internacional, pelo poder das multinacionais petrolíferas e pelos ocultos poderes económicos de um mundo onde imperam os gigantes do tráfego “ilícito”, seja este a venda de crianças, de mulheres, de droga, de armas, de fome, de doença, de morte. Sem visão, cedo decretou que este não era um país de vocação agrícola e pagou aos agricultores para arrasarem a produção cerealífera, os arrozais, as vinhas e comprarem Mercedes, deixando a boca do povo à mercê das marés especulativas das bolsas internacionais dos alimentos. Deixou morrer as indústrias tradicionais. Desacreditando o País, abafou o turismo.
São a tal ponto inúmeros e conhecidos os casos que não acrescenta valor ilustrá-los. Basta inumerar as medidas políticas em curso que visam preparar a privatização de toda a área social, através da liquidação do sistema de Segurança Social, do Sistema Nacional de Saúde, da rede pública escolar. As medidas para minar a cultura, a segurança interna e a justiça e pô-las ao serviço das minorias possidentes e dos interesses estrangeiros.
Mas a acção mais hedionda do actual regime político foi a eliminação da OPAN.
O antigo regime tinha um partido único. E também tinha a oposição. O antigo regime tinha os censores, as prisões e a tortura. Logo, a oposição tinha os seu heróis. A reflexão e o exame de consciência política sobre o estado da Nação fez-se todos os dias – em contínuo crescendo até ao último dia - nas fileiras do exército colonial, no seio da igreja católica da Concordata, na agitação dos sindicatos corporativistas, nas escolas e universidades, nas fábricas e nos escritórios. A consciência cívica e a militância oposicionista no antigo regime tiveram um terreno de cultivo fértil: a OPAN.
O novo regime tem dois partidos únicos: a maçonaria e a opus dei. Embora em posições antagónicas na luta pelo poder, ambas servem o mesmo patrão: a Internacional do Dinheiro.
O novo regime é um Estado de cidadãos acéfalos, ignaros e acríticos. Eclipsou ou exilou os intelectuais, substituindo-os pelos novos clérigos. Eliminou a OPAN, não deixando nada em seu lugar. Deixou secar as ideologias para que, no deserto das ideias, se multiplicasse a praga do liberalismo, as tábuas da nova aliança sem conceitos nem sentimentos.
O novo regime é o oposto de um estado laico. É um regime transitório para um estado teocrático sem religião.
E a Nação?
Até o pouco, mas fundamental, que lhe restava, a Língua Pátria, foi apresada e vilipendiada pelo Estado.
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Oração
Requiem æternam dona eis, Domine (Leva-os contigo, Senhor, e não os deixes voltar).
... Dura há 90 anos esta vergonha nacional
Requiem æternam dona eis, Domine (Leva-os para o teu regaço, Senhor, e não os deixes voltar).
... És pobre, Luso, e eles querem-te bronco
Requiem æternam dona eis, Domine (Leva-os contigo, Senhor, e permite-lhes o descanso que permitiste a Lázaro)
... Dobra o joelho , Luso, e arrasta-o pelo país fora
Requiem æternam dona eis, Domine (Leva-os contigo, Senhor, e não os deixes chegar à idade de Matusalem).E leva também as pedras que agora amontoaram
E os corvos que se preparam para lá poisar
Leva-os para onde a azinheira sagrada da deusa antiga
Que retalharam para mil vezes a vender
com a cera acumulada
com a esmola espoliada
com a esperança vã da cura
et lux perpetua luceat eis ( E com eles leva a luz do sol às cambalhotas e as patranhas dos segredos).
Puseram a natureza em reboliço
Para assustar o pagode
Lançaram anátemas
Previram catástrofes
Ameaçaram segredos
Como se tu, Senhor, senil e impotente
Para amparar com as tuas mãos criadoras
Os tombados das torres gémeas
Incapaz de suster a força bruta dos tsunamis
e de calar o estrondo da bomba suicída
Como se tu, Senhor, roído pelo Alzheimer dos divinos
já incapaz de inventar uma cura para o cancro, a sida
e sabe-se lá o que mais há-de aparecer
na natureza posta em desordem
pelos ateus cínicos da mais-valia e dos dividendos
Te importasses com o materialismo da Rússia
O da outra (que o actual não tem importância, a Máfia foi sempre tua filha preferida)
Te importasses com um tiro desvairado numa sotaina branca
Ou precisasses de muita oração para acabares com os horrores da guerra
Leva-os senhor e deixa este pobre povo em paz
Se paz é possível
Que entre nós já temos que baste
Para nos fazer o escárnio da Europa e do Mundo
Requiem æternam dona eis, Domine
Dura há 90 anos esta vergonha nacionalTemos outras mais antigas para curar
As novas vergonhas são apenas ainda
Atuardas nos jornais de Sua Majestade Britânica
Exaudi orationem meam
Exaudi orationem meam
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Tesourinhos deprimentes - O Decálogo dos condutores
A hipocrisia é tanta!
I. Não matarás (comentário: usa camisinha)
II. A estrada deve ser um instrumento de comunhão, não de danos mortais (comentário: a cama também)
III. Cortesia, correcção e prudência ajudar-te-ão (comentário: isto é só para entendidos em direito canónico, pois refere-se às Cortes, às casas de correcção e a jurisprudência. De outra maneira não se entende)
IV. Sê caridoso e ajuda o próximo em necessidade (comentário: só falta dizer "dá-lhe uma mãozinha")
V. O automóvel não seja para ti expressão de poder (comentário: usa antes uma arma de fogo)
VI. Convence os jovens a não conduzirem quando não estão em condições de o fazer (comentário: claro, só depois do casamento!)
VII. Apoia as famílias das vítimas dos acidentes (comentário: ajuda a pagar a missinha do sétimo dia)
VIII. Procura conciliar a vítima e o automobilista agressor, para que possam viver a experiência libertadora do perdão (comentário: lembra, portanto, ao agressor que tem que perdoar a vítima)
IX. Na estrada, tutela a parte mais fraca (comentário: é isso mesmo, põe a camisinha)
X. Sente-te responsável pelos outros (comentário: vigia o comportamento dos teus vizinhos e denuncia-os se se portarem mal)
E não se preocupam os vaginofóbicos com a guerra, a fome, as doenças, o desalojamento, as catástrofes naturais e todos os cavaleiros do apocalipse do capitalismo global. Nem conseguem viver a experiência libertadora da aceitação da culpa pelas crianças vítimas da lubricidade dos padres americanos, pelos dois mil anos de aviltamento das mulheres, pelas cruzadas e pelos crimes infames contra a humanidade cometidos pelas igrejas cristãs.
O "decálogo dos condutores"? Que parolismo paroquiano!
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Descortinando o sentido das notícias.
A televisão é uma caixinha de prodígios: encontra-se de tudo e nada é como na vida. Como tem a virtude de congelar no tempo, e de misturar, uma imensidão de imagens sacadas em diferentes correntes temporais, permite-se apresentar-nos em sequência um rosário de notícias desconexas deixando-nos com a obrigação de tirar daí o sentido como se tratasse de interpretar uma mensagem cifrada ou um oráculo.
Note-se que "rosário de notícias" é mais do que uma metáfora pires, é uma expressão deliberada; pois, se um rosário é uma fiada de rosas, as notícias, como as rosas, ou as demais flores, aparecem sempre iguais a si mesmas na mesmíssima altura do ano. À pergunta "o que trazeis de novo no vosso regaço?" só pode ser dada, por conveniência da proposição à realidade verificável, a seguinte resposta: "são rosas, senhor!".
Rosário de notícias é também uma expressão apropriada para esta época de Maio: é o mês das rosas e do rosário de Fátima.
Ouvi os noticiários de ontem com o mesmo enfado de sempre. O caso da Madeleine já deu o que tinha a dar e, para profunda insatisfação do masoquismo nacional, o fluxo migratório sazonal dos ingleses para o Algarve afinal não vai estancar, e nele se vão continuar a incluir reformados, desempregados, criancinhas loiras, pedófilos e pais abandónicos. Não dei conta que tivessem caído aviões, ou que Gaia tivesse posto os elementos em fúria. Os mortos no Iraque continuam a situar-se na casa das dezenas, e os feridos nas centenas, e a missão dos soldados portugueses no Afeganistão continua inalterada, debaixo do capacete da NATO que, por sua vez, está debaixo do chapéu da ONU. Fiquei vagamente a saber que só no futuro talvez distante teremos a confirmação do saldo real da actuação de Tony Blair. Lisboa continua a ser uma cidade branca e repleta de turistas. No paço da cidade não é a rainha que brinca ao esconde-esconde com os cortesãos; joga-se ao deita-abaixo e ao corta-cabeças, e cada um espreita a sua oportunidade de ir a jogo o melhor que pode.
Nada disto me deu pistas para descortinar qualquer desígnio escondido por detrás de cada "rosa".
No meu afã de pesquisar a verdade – não sendo a verdade outra coisa que o desvendar o que antes fora vendado, como sugere a palavra "alêtheia" no falar dizente dos antigos gregos – duas "rosas" me prenderam a atenção, uma pela suavidade da textura e do odor, outra pela agressividade dos espinhos.
Em Fátima, Altar do Mundo, uma peregrina é entrevistada pelo repórter de uma estação nacional. (Digo "pelo" dada a ausência do neutro como atributo morfológico da língua portuguesa, o que se aplicaria a matar a este tipo de profissionais de segunda gema, sem qualquer recorte de sexo ou de género, quer na apresentação pessoal, quer na maneira de questionar os entrevistados. Também são irrelevantes as perguntas mastigadas à pressa, pré-preparadas na escola do fastfood televisivo. Importante é aparecer o mais centrado possível na pequena caixa mágica, sendo as palavras uma espécie de música de fundo ao vivo, mas um luxo caro a usar com parcimónia). Que vem então a responder a peregrina? Que sim, que tinha uma grande devoção, uma grande fé, um grande amor pela virgem, e por todos os anjos, e por todos os santos. A religiosidade popular é a partilha de um sentimento que adere a verdades simples: o culto é a veneração e os seus objectos são a Senhora, os anjos e os santinhos. Uma mistura de panteísmo matriarcal (será ainda o culto de Gaia?) e de politeísmo primevo, meio pragmático, meio feérico.
Do outro lado do mar, Bento XVI e os seus mosqueteiros intensificam os preparativos para a cruzada do século. Aquém, com o antigo secretário de Estado do Vaticano, cardeal Ângelo Sodano, e além-mar, com o antigo teólogo Ratzinger, hoje papa, intentam atrair para a fé ("sem proselitismo", imagine-se!) os crentes desviados, denunciam a nova apostasia (“Nos nossos países, está em curso uma apostasia sub-reptícia que não pode deixar-nos indiferentes”, e exigem o público reconhecimento dos "contributos" do cristianismo para a construção da Civilização Ocidental e da Europa “tentada a esquecer aquela fé que fez a sua força no decorrer dos séculos”.
Recordemos então alguns factos históricos de “aquela fé que fez a sua força no decorrer dos séculos”:
- Código de Justiniano contra os heréticos (529)
- Cruzadas: séculos XI a XIII
- Bula de Lúcio III Ad abolendam (1184)
- Cruzada albigense (cátaros, waldensianos e templários): Séculos XII e XIII
- Massacre pelos cruzados de 20000 pessoas em Beziers (1209)
- Inquisitio Haereticae Pravitatis Sanctum Officium (1227)
- Judeus e mouros: século XV
- Malleus Maleficarum, ou "martelo das feiticeiras", de 1486.
- Massacre de Lisboa de 1506 (ou a matança da Páscoa de 1506), uma multidão movida pelo fanatismo religioso perseguiu, violou, torturou e matou entre duas mil a quatro mil pessoas, por serem judias.
- Reabilitação da Congregação da Inquisição ou Santo Ofício (1542)
- Index auctoreum et librorum prohibitorum (1559)
- Caça às bruxas: séculos XVI a XVII
- Guerra dos 30 anos: século XVII
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Matéria escura
A maior parte da massa do Universo, provavelmente 90%, é constituída por uma matéria sem luz, de natureza desconhecida, a que se deu o nome de
matéria escura. Deduz-se a sua existência da análise das curvas de rotação das galáxias. Deduz-se, mas não se detecta. Sendo destituída de luz - daí a designação de "escura" - não pode obviamente estimular os sensores do nervo óptico. Se a cegueira impede um invisual de ver a matéria comum, a totalidade do ser humano é completamente cega para nove décimos do universo.
Para compensar, vemos deuses e quimeras em toda a parte. E com os olhos postos no firmamento aguardamos todas as noites pelo aparecimento de uma estrela nova que anuncie para a madrugada do dia seguinte o nascimento de um salvador. Neste cantinho à beira-mar plantado há-de vir numa manhã de nevoeiro.
Não será o primeiro nem o último. Eles andam para aí. Como vêm das zonas escuras do universo não damos por eles.
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IMBOLC hoje
Comemoração da deusa Brígida ou Brigite como a "noiva do sol". O acréscimo diário da luz solar faz despertar as sementes adormecidas na terra gelada pelas geadas. É o primeiro indício da Primavera. A donzela, agora recuperada do parto da criança solar, ressurge revigorada.
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deuses e santos
Em matéria de religião, os celtas do tempo de Júlio eram profundamente liberais. Politeístas até dizer "chega" tinham um deus ou uma deusa para dar cobertura a um qualquer detalhe da vida social e da experiência humana. Os romanos, coitados, que sempre esperavam encontrar uma equivalência entre deuses dos povos romanizados e os seus próprios, passavam-se. A relação quase geométrica entre o Olimpo helénico e o latino prenunciava a realidade, jazente sob uma diversidade cultural e dialectal, de uma religião universal à volta do mar mediterrâneo. Cada nova descoberta batia tão certa como a descoberta de um novo elemento transurânico para uma célula a descoberto na tabela de Mendeleief. Os celtas não: tinham deuses a mais, deuses não se sabe para quê, e o seu inventário parecia inesgotável pois, todos os dias, aparecia uma caterva deles, novíssimos em folha.
Não admira que o povo, assim que o cristianismo se apoderou do mundo mental preparado pela civilização celta, tenha aderido e colocado na fila da frente do panteão da nova religião a legião dos santos, anjos e arcanjos, protectores disto e daquilo, e diversos para cada dia do calendário.
Na nossa terra, três tiveram um destino invulgar: João, António e Pedro, os santos populares festejados no período do ano em que decorreriam as festividades de
Litha, o solstício do Verão, em que a força vital do astro-rei é representado nas fogueiras.
Por muito que a avidez pela santaria, tão romana-católica, se exercesse a inventariar santos para dar cobertura a este protectorado polifuncionalista, nenhum número finito de santos bastou para saciar a fome dos espíritos pagãos convertidos à religião da cruz. O calendário deveria suportar, sempre, a introdução de novos santos.
Foi encontrada uma solução elegante:
Samhuinn era uma janela entreaberta para o mundo do não tempo. Passando por esse portal acedia-se ao mundo das sombras, universo paralelo onde residiam as almas passadas, os deuses, os heróis e os entes feéricos. Tal figuração da realidade sobrenatural não convinha de modo algum ao mundo gótico-romano que converteu essa passagem por outros mundos pagãos numa peregrinação pelos lugares do sobrenatural cristão: em descida aos infernos, subida ao ceú e passagem pelo purgatório. Festa das bruxas, Todos-os-Santos e dia dos mortos comuns.
Todos-os-Santos, todos-os-deuses. O infinito num instante que é a eternidade, limite do ser e do não-ser, interface do mundano e do sagrado, síntese da vida e da morte.
Eu, como muita gente que de certeza não me é aparentada, trago Santos no meu nome. Se os espanhóis celebram o seu santo como nós celebramos os nossos aniversários, muita gente medieval celebrou o seu santo no primeiro de Novembro... como os nascidos a vinte e nove de Fevereiro celebram a maior parte dos seus aniversários no primeiro de Março!
Religião e sexo estão profundamente associados a comida. Há, portanto, que investigar preceitos culinários associados às festas pagãs e que, segundo a minha hipótese, perduram na actualidade no culto popular dos santos.
Parece que o presunto e o toucinho são invenções celtas. Bem, os rapazes não brincavam em serviço. E se escarafuncharmos um pouco na história, ainda vamos descobrir quem foi o inventor do leitão "à Bairrada".
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Eles andam aí!!!

O Genesis (6,2) insinua que os filhos de Elohim (o deus? os deuses?) andavam a galar as filhas dos homens e que faziam de muitas delas as suas esposas ... e que estas davam-lhes filhos.
Quem são os "bene ha-elohim"? Segundo a Torah os "deuses" não têm visão, audição, cheiro, marcha, pensamento, tacto ou gosto. Como poderiam, então, procriar e ter filhos? E seria o seu genótipo compatível com o das filhas dos homens?
Por certo que sim, originando uma curiosa mistura de planos - sagrado e profano - em profícuo comércio sexual.
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Merlini Allegoria profundissimum Philosophia lapidis perfecte continens

Não sei se deva falar de transmigração das almas ou de reencarnação. Se há momentos da nossa vida que a gente não recorda, porque não admitir que há outras vidas de que nos esquecemos?
O certo é que reconhecemos, às vezes, pessoas e, sendo mutuamente reconhecidos, ambos não somos capazes de estabelecer em que circunstâncias de espaço ou de tempo travámos conhecimento anterior.
Exauridas as possibilidades, resta-nos acreditar que são conhecimentos de outras vidas.
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O lado escuro da vida
Conhecem o neutralino? Esta partícula não-bariónica é uma séria candidata a constituinte da matéria escura.
Tanto a matéria escura, como a energia escura, correspondem a cerca de 95% da massa do universo. A matéria comum, que nós vemos e palpamos, e que é constituída por átomos ( e estes por protões, neutrões e electrões), não chega a perfazer os 5%.
A matéria escura não se vê porque não reage com a radiação electromagnética (não produz, nem reflecte luz). Embora esteja altamente concentrada no centro das galáxias, expande-se um pouco por toda a parte e dilui-se na matéria comum. A sua presença é inferida pela atracção gravitacional que exerce sobre a matéria ordinária.
A matéria escura é acusada de ser responsável pela formação das galáxias e das estrelas nas regiões de maior concentração do neutralino. Actualmente, é também acusada do desvio das rotas das sondas espaciais Pioneer 10 e 11 (lançadas nos anos 70) e da aceleração da expansão do universo, fenómeno inexplicado pelas teorias gravitacionais comuns.
A escuridão é a regra, e a luz um fenómeno bastante raro, no nosso universo: e misturam-se. Errados parecem estar os velhos mitos e cosmogonias da antiguidade semita e indo-europeia. Na criação do mundo, o demiurgo não separou a luz das trevas. A escuridão está em todo o lado e agrega a luz.
Deveríamos repensar a religião natural, ateia e polipanteísta. O tempo é cíclico e não uniforme. Na ciclicidade do tempo repousa o refluir dos eventos, a alternância da vida e da morte, a processão das estações, a sucessão dos ritos agrícolas, as marés, as fases da lua. A religião natural ensina-nos que da morte sai a vida, da noite sai o dia, do útero sai a cria. A semente lançada à terra só germina na escuridão; na escuridão do útero germina o feto.
A escuridão é a condição do nosso referencial espácio-temporal. E um mundo a quatro dimensões é, porventura, um mundo muito estreito para conter o nosso espírito. Talvez a luz seja um epifenómeno, e a nossa compreensão do universo escassa e muito resumida.

Apagou-se hoje uma estrela e o firmamento não se deu conta. O nosso querido Zé C. deixou-nos sem se despedir. Ainda ontem brincávamos zombando do estresse da profissão.
Conheci-o há muito pouco tempo, mas o suficiente para o estimar muito. Andámos dois dias por essas serranias do Oeste, com o Francisco e o Joaquim P. Lá fomos, estrada fora, no sobe e desce colinas, a indagar reservatórios e estações elevatórias em sítios onde antes, provavelmente, estiveram moinhos.
Já não está, abandonou-o um corpo que teimou em não funcionar. Subsiste na memória dos amigos. Por quanto tempo?
Estamos próximos do Samhuinn lunar, o fim do Verão e do ano, início do Inverno, a metade escura do novo ano. Serão três dias de celebração, tempo sem tempo, descida ao reino da morte. Quis o despotismo cristão apropriar-se da celebração pagã subvertendo o Samhuinn no carnavalesco Halloween, num sensaborão dia de todos os santos e num triste dia dos defuntos. Da mascarada das cabaças e das guloseimas, às flores (de plástico) dos cemitérios.
Não deixaremos de cumprir o ritual. É forçoso que o deus morra e a deusa se retire para os confins da terra. Voltará, jovem e virgem, em Yule, para dar à luz o Filho. Todos os anos, enquanto subsistir no universo a raça dos homens e dos deuses.
Neutralinos, bosões e fermiões, zinos, photinos e higgsinos... Matéria escura. A inteligência que desvenda o mundo não traz a luz.
A luz verdadeira é a da vela acesa numa clareira da floresta. Um pavio encandescido, cera que derrete e se consome em chama.
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Para além do bem e do mal
Uma questão que se coloca em todas as religiões é a separação do bem e do mal. Quer o bem e o mal objectivados, coisificados e, às vezes, personalizados, como
Ormuzd e Ahriman na antiga religião persa de Zoroasto; quer o bem e o mal éticos, o proceder bem e o proceder mal, sendo, na consequência, passível de absolvição ou de condenação. A compulsiva preocupação da religião com estes temas intriga-me. O Tigre garante-me que nenhum animal exprime razões para se culpar ou sentir mérito pessoal: o que lhes acontece na vida são consequências circunstanciais dos seus actos ou de eventos fortuitos. E nada mais.
Continuo sem me decidir se é deus, ou se é a culpa, que nos distingue dos outros animais.
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Demónios e diabos
Demónios e diabos andam juntos, normalmente, na conversa do povo e nos tratados eruditos. Mas, tratar-se-ão das mesmas pessoas, será gente afim, serão os termos permutáveis?
Na minha opinião, discordo absolutamente da identidade das criaturas. Pertencem a contextos diferentes e a eras da humanidade muito afastadas.
Ambos os termos têm origem no grego. "
Daimon" era um termo corrente para designar uma entidade divina, deus ou deusa. "
Diabolos" (diabo) representa o conceito de qualquer força separadora ou processo que conduz à separação e dispersão; opõe-se a "
sünbolon" (símbolo) que representa o reconhecimento na unidade de duas partes distintas.
No monoteísmo na fase primitiva,
os demónios são todos os deuses que, assintindo às ascenção vitoriosa do deus único, exclusivista e ciumento, não se conformam e vão à luta travando um combate desesperado para recuperar o poder sobre o Mundo ("
mundus", em latim, significa "o limpo", o ordenado" como oposto a "
immundus", aquele que é "impuro"; vide no grego a mesma oposição entre o "
kosmos" e o "
kaos"). À medida em que o resultado da luta pende para o lado do deus único, Iavé, os demónios governam cada vez mais o reino das trevas, os lugares inferiores do universo. O seu destino é a ostracização e a condenação ao esquecimento.
O cenário é de mudança e de combate. Cada parte da contenda luta pelo que julga ser seu de direito: de um lado, conservar o equilíbrio tradicional do panteão; do outro, instaurar uma ordem nova fundamentada no despotismo monista. Mas a atração do monismo é mais poderosa do que as forças em conflito: progressivamente, a legião de demónios vai-se plasmando na figura única do demónio,
Satã (o "adversário", o "desafiador"), transformando uma luta entre exércitos numa contenda entre os senhores da guerra.
No monoteísmo judeu, Iavé é um deus ciumento e birrento que estabelece uma aliança "monogâmica" com o povo eleito; no monoteísmo cristão, Iavé é um deus vingativo, o estratega que prepara a derradeira e decisiva batalha, o Armageddon.
Voltaremos a este tema para esclarecer a relação entre
Lúcifer (o "portador da luz") e o deus único: aquele, o ordenador e o senhor deste mundo; o outro, aquele que é, Rei dos Reis e Senhor dos Senhores.
Voltemos à questão: e o diabo?
Em termos históricos,
o diabo é uma figura recente aparecida nos finais da Idade Média europeia. Sobre esta questão, remeto o leitor para "Uma história do Diabo. Séculos XII a XX", de Robert Muchembled (2003, Terramar). A demonologia moderna assenta na identificação do diabo com a figura grotesca, animal e mal-cheirosa, na liturgia dos sabbats, na tópica sulfurenta do inferno e nos processos da bruxaria. É acidental e espúria a parecença desta triste figura, peluda e cornuda, com
Cernunos, o deus celta da fertilidade e da caça. O facto mais insólito destes tristes séculos em que o poder imperial e monolítico dos príncipes europeus se opôs ao sentimento de liberdade dos povos e das gentes traduziu-se na impiedosa caça e extermínio das bruxas. O fervor exterminador foi particularmente sangrento no norte protestante para calar toda e qualquer heresia que atentasse contra a ortodoxia ideológica do capitalismo em ascenção.
O
Dia-bolo versus o
Sím-bolo: crença na multiplicidade ou crença na unicidade. O Símbolo de Niceia é "credo in unum deum, patrem omnipotentem, factorem coeli et terrae, visibilium omnium, et invisibilium."
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En arkhê en o Logos
No princípio era o Verbo. E o Logos, a palavra fântica, o discurso organizador estava com Deus, e o Verbo era deus...
Foi Lúcifer, o portador da Luz, o que separa a luz das trevas. E foi o Demiurgo, o representante do seu povo, o poderoso artífice manual ...
Ele estava no princípio e com o Pai. Não só assistiu à Criação como, sem Ele, não se fez nada de quanto existe. Em sete dias separou o inseparável, nomeou o inominável, lançou os germes da vida, pôs ordem nas criaturas e, quase perto do fim, apôs à grande obra a sua assinatura: o primeiro mundo criado recebeu um par de seres à sua imagem e semelhança.
No sétimo dia já o padre eterno descansava. No Verbo estava a vida e a vida era a luz dos homens.
Crime e castigo! Começa aqui a história de Deus, do homem e de Lucifer, seu filho único: o Pai não queria que os homens fossem como deuses; Ele, que era deus, quis ser como os homens. O Pai, ao acordar, puniu o seu filho único e o sedutor do mundo inteiro foi arrojado por terra, e com Ele todos os seus anjos.
Como caíste dos céus, ó filho da aurora! Foste prostrado na terra, ó dominador das Nações!
“Pai, Pai, porque me abandonaste?”, exclamou na sua mortal angústia o Demiurgo.
Da cidade santa, respondeu O que está sentado no trono: “repara como vou criar um mundo novo. Eu sou o Alfa e o Omega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim”.
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Não é ainda Zaratrusta o último profeta
A globalização não caracteriza o mundo de hoje. É apenas um dos seus atributos e tem um significado que vai mais longe do que as aparências no-lo fazem entrever.
O mundo de hoje não começou propriamente hoje. Começou a insinuar-se há muito tempo, minou os tempos modernos na mais completa clandestinidade e ganhou força suficiente para vir ao de cima e competir pelo ar que todos respiramos.
Nasceu com o estertor do romantismo. Como um necrófago, alimentou-se das suas vísceras em putrefacção.
Teve o seu profeta, Zaratrusta, que sentiu o cheiro do cadáver em decomposição. Os sinos repicavam sobre os vales e as igrejas enchiam-se de fiéis devotos. Ao novo das naves longos círios com os pavios permanentemente acesos. As capelas laterais paramentadas de panos negros. O canto monótono e soturno a arrastar-se para além do tempo. Era o deus morto que velavam. Deus morrera e a comunidade dos homens, irmanados numa grande orfandade, chorava a sua morte.
Zaratustra pregou o que vinha depois do homem. Porque o homem iria soçobrar com a morte de deus. O que viria após o homem está para além do bem e do mal, vai além da ordem inscrita e a sua liberdade é o fundamento de todos os valores.
O mundo de hoje, porém, não é ainda o mundo do para-além-do-homem. O mundo de hoje é o mundo da instauração do monismo: um só em três figurações.

A primeira figuração do monismo é o monoteísmo. O monoteísmo é a crença na unicidade do divino. Teve a sua primeira aparição no Egipto, no reinado de Akhenathon. Teria sido sugerido por este a Moisés que atraiu o povo judeu à aliança com o deus único em troca da liberdade e da terra prometida. Que nunca lhe viria a ser entregue, porque o deus único, por natureza ciumento, não condescendia com as fraquezas do povo eleito sempre propenso à infidelidade com os numerosos deuses e ídolos de Canaã. Parece continuar a não condescender, mas isso é história que retomaremos. Mais tarde, o monoteísmo apoderou-se do império romano de uma forma que o destruiu, criando o mundo moderno, nascido das cinzas da medievalidade cristã, e propagou-se ao novo mundo. Agora renova-se um pouco por todo o lado na sua forma islâmica e refinadamente terrorista.
A segunda figuração do monismo foi o materialismo dialéctico. Seria este o reverso ateísta da religião judaico-cristã, caracterizado pela unicidade (do mundo material), pela promessa de uma terra futura (a sociedade sem classes), por uma luta contra as forças do mal (a luta de classes), por uma igreja militante (o partido) e um clero ponta de lança (a nomenclatura). Foi igualmente uma religião de livros (como a Tora, a Bíblia e o Alcorão) e profetas. Se o primeiro monismo recebeu por missão redimir a humanidade do pecado e da culpa individuais, o monismo ateísta com a sua preocupação social visaria redimir a humanidade do pecado e da culpa colectiva, a exploração do homem pelo homem, a exploração dos povos colonizados, a exploração desenfreada dos recursos e das riquezas naturais.
A terceira figuração do monismo é a ideologia progressista, a crença da redenção da humanidade através da ciência, da tecnologia e do mercado, capazes de promoverem um crescimento acelerado de bem-estar à humanidade prodigalizando-a generosamente com os bens e serviços de que ela carece para ser feliz. Quando se fala em globalização referimo-nos geralmente a um aspecto do progressismo que é a facilidade, generalização e baixo custo dos fluxos de bens, pessoas e ideias permitidos pelos actuais meios de computação e de comunicação entre grandes distâncias.
Três figurações de uma mesma ideia, a de que está escrito no céu a verdade da salvação: “in hoc signo vinces”. Três figurações do terror, três cavaleiros do mesmo apocalipse, três caixas de Pandora: anátemas, inquisições, caça às bruxas, fogueiras, progroms, goulags, hospitais psiquiátricos, polícias políticas, guerras quentes e frias, pobreza aviltante, fome, doenças pandémicas, esbanjamento dos recursos naturais, catástrofes nucleares, buraco de ozono, aquecimento dos oceanos, alcaedas, bombistas suicidas.
A globalização não caracteriza o mundo de hoje, amplia-o: a feira das vaidades é, agora, global. E os horrores que nos prodigaliza também.
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Religiões do mundo
PANTEÍSMO
No passado, pode ter-se desenvolvido a crença do grande animal, o grande ser omnipresente dotado de vida, grande como a própria terra, ou como o próprio universo. Embora distinto nas suas partes, seria uma totalidade encerrada sobre si própria e fora da qual nada haveria. Melhor dizendo, haveria o nada. Os seus atributos mais óbvios seriam extraídos por analogia da vida animal: inspiração - respiração, sono - vigília, movimento - repouso, atributos que permitiriam à humanidade uma compreensão serena dos fenómenos naturais. A ideia de uma totalidade organizada e auto-regulada ainda subsiste nos actuais modelos e concepções sistémicas da Natureza.

Se transferirmos os atributos da divindade para o grande ser vivente, teremos então uma representação exacta daquilo em que consiste o panteísmo naturalista: todos os seres, viventes e não viventes, estão fundidos num todo que é a divindade. O nascimento e a morte, são transições no interior de uma totalidade que se renova perpetuamente. “Fui rocha em tempo, e fui, no mundo antigo, tronco ou ramo na incógnita floresta... “. Os seres, incluindo o homem, são partes inseparáveis da natureza.
Deus é imanente à natureza, não se lhe aplicando o conceito de transcendência, da mesma forma em que é recusada qualquer significação ao termo “sobrenatural”.
A consciência do indivíduo humano como entidade distinta da natureza, oposição de sujeito a objecto no processo de apreensão cognitiva, ou de apropriação da natureza na forma de artefactos, pode fomentar um sentimento de separação, de isolamento e, no extremo, de solidão. A consciência da separação e a saudade do todo gera o fenómeno religioso que, de um ponto de vista etimológico, tem a ver com re-ligar, voltar a unir o que antes se separara. A religião naturalista consagra a atracção da parte pela parte, a afinidade universal e a sua ética baseia-se na compaixão, na empatia e no respeito por todos os seres.
O reencontro com Gaia, a grande mãe, é o único momento propiciador de paz interior e de verdadeiro sossego. Esbate-se a consciência das coisas, diluem-se as preocupações de circunstância, o sangue martela-nos as paredes dos vasos, os músculos retesam-se e alongam-se, as narinas inalam os odores da terra e das plantas aromáticas, todo o corpo faz-se um com a natureza.
Datas a celebrar: 22 de Abril, dia de Gaia (calha num sábado este ano); 5 de Junho, dia mundial do ambiente.
Calendário solar para 2006:
- Equinócio da Primavera às 18:26 de 20 de Março
- Solstício do Verão às 12:26 de 21 de Junho
- Equinócio do Outono às 04:03 de 23 de Setembro
- Solstício do Inverno às 00:22 de 22 de Dezembro
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Religiões do mundo
Há 4 maneiras de encarar a religião: o monoteismo, o ateismo, o panteismo e o politeismo. Deixarei para outra oportunidade as religiões monoteistas.
- A religião sem deus, ou o ATEÍSMO, a transcendência do vazio. Sem deus nem mestre, a liberdade é a capacidade humana de dar sentido às coisas e, por isso, o fundamento único de quaisquer valores. A vida colectiva fundamenta-se na fraternidade, sentimento "re-ligioso" da solidariedade intra-específica. A igualdade, o imperativo ético em que se baseia a solidaridade social, a grande utopia.
- No POLITEÍSMO todas as forças transformadoras são emanações da divindade e cada uma personaliza aspectos vários da realidade. Os valores fundamentais inerentes são o gosto e o respeito pela diversidade, sentimento "re-ligioso" da solidariedade inter-específica, e o reconhecimento da multiplicidade , o equilíbrio entre os opostos, como a fonte de toda a riqueza. O politeísmo trinitarista indo-europeu, em particular, põe em pé de igualdade a deusa, o deus e o filho e encontra para cada um deles três figurações correspondentes a cada idade da vida: a infância, a maturidade e a velhice.
- o PANTEÍSMO, ou a imanência completa do divino na natureza e na humanidade. Tudo participa do divino, a criação e a destruição, a consciência fugaz e a morte eterna.

O não-ser, o devir e a unidade, a síntese de todos os opostos. Do outro lado da trincheira, o monoteísmo, esse grande monarquismo divino, religião de massas, o ópio dos povos!Etiquetas: monos
Deus morreu
Por todo o Universo a criatura sente com estranheza a sua ausência e o vazio que a preenche é aborrecido pela natureza.
É forçoso considerarmos o perigo de que os ídolos se instalem nesse infinito vazio. Outro perigo é o do luto a que nos poderá agarrar a nostalgia do tempo da infância.
Deus morreu.

E estamos sós na viagem. Pior ainda é estarmos perdidos, na medida em que perdemos o sentido da viagem.
Os homens eram nómadas e erravam no deserto entre dois paraísos. Ouviam a chamada e iam.
Neste tempo, entre o último homem desaparecido e o sobre-humano, na desolação de não se ser, vagueiam ainda os últimos ecos.
Os ouvidos, porém, são agora apêndices inúteis. Todas as trajectórias no Universo assemelham-se a passeios domésticos.
A bem dizer já nem se pode falar de viagens: andar no tempo é apenas mudar de lugar.
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