Descortinando o sentido das notícias.
A televisão é uma caixinha de prodígios: encontra-se de tudo e nada é como na vida. Como tem a virtude de congelar no tempo, e de misturar, uma imensidão de imagens sacadas em diferentes correntes temporais, permite-se apresentar-nos em sequência um rosário de notícias desconexas deixando-nos com a obrigação de tirar daí o sentido como se tratasse de interpretar uma mensagem cifrada ou um oráculo.
Rosário de notícias é também uma expressão apropriada para esta época de Maio: é o mês das rosas e do rosário de Fátima.
Ouvi os noticiários de ontem com o mesmo enfado de sempre. O caso da Madeleine já deu o que tinha a dar e, para profunda insatisfação do masoquismo nacional, o fluxo migratório sazonal dos ingleses para o Algarve afinal não vai estancar, e nele se vão continuar a incluir reformados, desempregados, criancinhas loiras, pedófilos e pais abandónicos. Não dei conta que tivessem caído aviões, ou que Gaia tivesse posto os elementos em fúria. Os mortos no Iraque continuam a situar-se na casa das dezenas, e os feridos nas centenas, e a missão dos soldados portugueses no Afeganistão continua inalterada, debaixo do capacete da NATO que, por sua vez, está debaixo do chapéu da ONU. Fiquei vagamente a saber que só no futuro talvez distante teremos a confirmação do saldo real da actuação de Tony Blair. Lisboa continua a ser uma cidade branca e repleta de turistas. No paço da cidade não é a rainha que brinca ao esconde-esconde com os cortesãos; joga-se ao deita-abaixo e ao corta-cabeças, e cada um espreita a sua oportunidade de ir a jogo o melhor que pode.
Nada disto me deu pistas para descortinar qualquer desígnio escondido por detrás de cada "rosa".
No meu afã de pesquisar a verdade – não sendo a verdade outra coisa que o desvendar o que antes fora vendado, como sugere a palavra "alêtheia" no falar dizente dos antigos gregos – duas "rosas" me prenderam a atenção, uma pela suavidade da textura e do odor, outra pela agressividade dos espinhos.
Do outro lado do mar, Bento XVI e os seus mosqueteiros intensificam os preparativos para a cruzada do século. Aquém, com o antigo secretário de Estado do Vaticano, cardeal Ângelo Sodano, e além-mar, com o antigo teólogo Ratzinger, hoje papa, intentam atrair para a fé ("sem proselitismo", imagine-se!) os crentes desviados, denunciam a nova apostasia (“Nos nossos países, está em curso uma apostasia sub-reptícia que não pode deixar-nos indiferentes”, e exigem o público reconhecimento dos "contributos" do cristianismo para a construção da Civilização Ocidental e da Europa “tentada a esquecer aquela fé que fez a sua força no decorrer dos séculos”.
Recordemos então alguns factos históricos de “aquela fé que fez a sua força no decorrer dos séculos”:
- Código de Justiniano contra os heréticos (529)
- Cruzadas: séculos XI a XIII
- Bula de Lúcio III Ad abolendam (1184)
- Cruzada albigense (cátaros, waldensianos e templários): Séculos XII e XIII
- Massacre pelos cruzados de 20000 pessoas em Beziers (1209)
- Inquisitio Haereticae Pravitatis Sanctum Officium (1227)
- Judeus e mouros: século XV
- Malleus Maleficarum, ou "martelo das feiticeiras", de 1486.
- Massacre de Lisboa de 1506 (ou a matança da Páscoa de 1506), uma multidão movida pelo fanatismo religioso perseguiu, violou, torturou e matou entre duas mil a quatro mil pessoas, por serem judias.
- Reabilitação da Congregação da Inquisição ou Santo Ofício (1542)
- Index auctoreum et librorum prohibitorum (1559)
- Caça às bruxas: séculos XVI a XVII
- Guerra dos 30 anos: século XVII
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1 Comentários:
Moisés Espírito Santo diz num dos seus livros que enquanto os padre olham para uma Maria virgem pura, o povo lê nela a Deusa-Mãe, protectora e fecunda. Mil anos não são suficientes para apagar os vestígios de uma cultura vincada (o tal paganismo - adoro esta palavra - nada diz)
principalmente quando a igreja teve imensas dificuldades em espalhar o cristianismo por aqui (Sec. XIII, Mattoso).
judeu (no dicionário cristão da época) = feiticeiro(a) = qualquer fulano que me esteja a estragar o negócio vou denunciá-lo de imediato; o que está a dar é matar esta cambada!
(e as mulheres que morreram por serem consideradas bruxas? ah! a igreja esquece de mencionar)
das actuais não estou informada ahahha
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