Porque não sou ateu?

Bertrand Russell ao interrogar-se porque não é cristão analisa sistemática e minuciosamente vários aspectos que considera relevantes do que é ser cristão. Nunca afirma explicitamente que há razões pelas quais vale a pena não ser cristão, que apenas fica implícito na desvalorização racional e ética do cristianismo que sustenta em cada tópico da sua dissertação. A sua proposta final é, de certo modo, comum a todos os ateus contemporâneos: cortar com os grilhões do passado, manter a lucidez e olhar o presente e o futuro da humanidade com mais inteligência.
O tipo e a estrutura da abordagem parecem-me bons pelo que irei segui-los na defesa do problema que se albergou na minha interrogação inicial.
Assim, deverei começar por esclarecer o que entendo ser “ateu”, estabelecer o âmbito das propriedades que limitam o conceito, analisar e avaliar a bondade de cada uma das propriedades e, finalmente, apresentar uma proposta decorrente das conclusões obtidas.
O ateísmo caracteriza-se pela oposição racional ao teísmo através da postulação de argumentos que negam a existência de deus, rejeitam a a superioridade ética da vida religiosa e mostram alguns efeitos perniciosos para o bem estar da humanidade de comportamentos e atitudes assumidas ao longo da História pelas comunidades confessionais e suas hierarquias. Estou a assumir o termo “teísmo” em termos muitos gerais que vão desde o panteísmo aos monoteísmos: quer se trate de acreditar num deus único, no carácter divino do universo ou na divinização de múltiplas forças naturais ou sociais, é a natureza do divino, e não as suas figurações, que importa analisar. Por outro lado, também, não farei distinções entre o teísmo e o deísmo, pelas mesmas razões. Aceitar a existência de deus tem para o ateu um significado que é independente dos seus atributos. O ateu acha que deus não existe sob qualquer forma.
E o agnosticismo? Não será o agnosticismo uma forma mestiça, híbrida de ateísmo e teísmo? Uma pessoa que se diz agnóstica confessa, em termos práticos, a sua incapacidade para tomar parte da questão. Se calhar, deus não existe; se calhar, deus existe. Para o agnóstico, não é possível tomar uma decisão face a um problema dessa magnitude; a questão está fora do alcance da capacidade de conhecimento (gnose) humano; por conseguinte, cada um é livre de assumir as atitudes e professar as crenças que bem entender.
Face a uma tal posição, compreende-se que o agnóstico seja arrumado pelos teístas na prateleira em que estes colocam os ateus; inversamente, um ateu tenderá a ver no agnóstico um teísta indeciso.
Resumindo, o ateísmo é uma posição que se autopercepciona como distinta e contrária ao teísmo, ao deísmo e agnosticismo.
Em termos positivos, o que é que caracteriza o ateísmo?
O aspecto decisivo, que estabelece o corte com as restantes posições deste universo, é a crença na não existência de deus fundamentada racionalmente. Não abordarei os argumentos clássicos desta posição que estão solidamente estabelecidos e bem apresentados e difundidos. A exposição de Russell na dissertação referida mantém nos dias de hoje plena actualidade. Mas os mesmos argumentos têm sido reformulados de uma forma mais consistente e melhor apoiados no conhecimento científico actual o qual não cessa de dar contributos para reforçar a posição ateísta. A propósito recomendo a leitura das obras do sociobiólogo Richard Dawkins ou do filósofo Daniel Dennett.
O segundo aspecto do ateísmo é identificar as motivações e os processos biológicos e culturais que ao longo da evolução da espécie conduziram à consolidação das ideias de deus e da religião e analisar de que maneira e em que grau as religiões positivas contribuíram para confortar ou aviltar o ser humano. O pendor constante na história para este último efeito constitui um novo tipo de argumentos a favor do abandono da ideia de deus.
O terceiro aspecto é de que nada serve negar a existência de deus e a ineficácia das religiões para a resolução dos problemas humanos se isso não conduzir à procura de uma explicação racional e coerente sobre o homem e o universo. O ateísmo introduz aqui uma visão libertadora sobre o medo e sobre todas as forças exploradoras do homem, assume uma crença positiva a respeito da capacidade da inteligência para resolver ou minorar os problemas humanos e defende a visão naturalista do mundo baseada no conhecimento científico.
Porque não sou ateu? Porque não sou ateu se nego a existência de deus, se considero as religiões uma das principais causas ou desculpas do obscurantismo e das misérias humanas, se tenho uma orientação positiva para a humanidade e a natureza?
Considero o pensamento humano - em que incluo a consciência, os processos cognitivos, o mundo simbólico das linguagens, das ideias e dos discursos, os sentimentos, as memórias internas e as externalizadas em artefactos, et cetera – como um conjunto de objectos biológicos com vida própria e constituído em sistema. Como sistema vivo é um sistema evolutivo no sentido em que é suficientemente diferenciado para prover adaptações às mudanças ambientais que põem em risco a sua sobrevivência.
O pensamento humano é um sistema complexo evolutivo paralelo e autónomo face ao sistema vivo natural.
Embora tenha sido inicialmente criado pelas faculdades biológicas da espécie (ou co-desenvolvido com estas) para proteger e ampliar a sua capacidade de sobrevivência, ao adquirir autonomia e ao expandir-se, passou a ter por lógica interna a auto sobrevivência a todo o custo mesmo que esta represente a liquidação da espécie humana ou do planeta.
Símbolos como deus, o estatuto ou o dinheiro, ou ideocomplexos, como a religião, a raça ou o mercado, são tão arcaicos e tão infra-estruturantes de todo o sistema simbólico que este arrisca-se a ruir se algum deles for mexido. É nessa lógica guerreira que assenta o fanatismo, o proselitismo e o espírito evangélico de todas as confissões, ideologias, seitas, clubes. E também a sua magia e o seu maravilhoso.
Contudo, o homem está ameaçado como está o planeta pelas mesmas razões. Aquilo a que atribuímos a criação do mundo e da espécie está a contribuir de uma forma acelerada para a destruição da Terra e do Homem. Neste caso, torna-se vital combater deus activamente, não chega negar a sua existência. A constatação do facto de deus não existir em nada altera a condição humana. Mas a sobrevivência da sua ideia é nefasta pelo que tem que ser combatida.
Mas, dir-me-ão: esta não será uma posição intolerante, anti-democrática? Verificando-se que há uma esmagadora maioria de pessoas crentes, tomar uma atitude francamente hostil para com a religião não será desrespeitar os sentimentos das pessoas, atentar contra a liberdade de pensamento e de culto, rejeitar a um ror de gente um bálsamo e um lenitivo para as suas grandes dores e tristezas?
Contra isso não posso argumentar que foi isso mesmo que os cristãos de todas as versões fizeram a maior parte do tempo ao longo de dois milénios, que é isso que o terrorismo islâmico faz, que todas as religiões fazem. Não se trata de fazer pagar, de forma jacobina, com igual moeda.
O ideário nazi foi partilhado por uma maioria de alemães e teve apoiantes em todo o chamado mundo livre. Que apoiaram os esforço de guerra, propagandearam ideias racistas e xenófobas, que fecharam os olhos aos campos de extermínio. Os alemães que se opuseram não se sentiram eticamente culpados por “ferir os sentimentos da maioria”, lutaram para exterminar o nazismo e não se sentiram “antidemocráticos”. A atitude que devemos ter perante o fascismo, a xenofobia, o racismo, o latrocínio, o genocídio e o geocídio é de combate.
Ser afascista, isto é negar as proposições do fascismo, e não o combater não é nada. Do mesmo modo não é nada ser ateu
Se ser antifascista é combater a loucura do fascismo e educar o cidadão para a vida democrática, ser antiteísta é combater a loucura mística e preparar a humanidade para o luto de deus.
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7 Comentários:
Será que um dia eu consigo falar sobre estas coisas de religiões no meu blog? Não acredito. Dá gosto conhecer pessoas que sabem tanto.
Lá no meu blog é o que se vê...
Uma boa tarde para si.
*
ser ateu . . . é ser !
agnóstico,
no minimo,
e
Céptico
Herege
Ímpio
Descrente
Incrédulo
,
o não ser é ser, simplesmente,
,
saudações,
,
*
Dizem que há 98% de crentes no mundo inteiro. estarão todos enganados?
Teresa Durães
Só 98%, Teresa? Não estarás enganada? Vai lá contá-los outra vez, sff.
E já agora reparte-os pelos respectivos clubes para marcarmos os torneios. Dou-te um exemplo.
Ulster: Protestantes-Católicos
Palestina: Judeus-Muçulmanos
Muçulmanos do Iraque: Xiitas-Sunitas
Ex-Jugoslávia: Cristãos-Ortodoxos
Cristão-Muçulmanos
Ortodoxos-Muçulmanos
No comentário atrás cometi uma gafe imperdoável que foi confundir cristãos com católicos. É a tirania e a prepotência do hábito.
Portanto, onde diz "cristãos" deve ler-se "católicos", os croatas, obviamente. Os "ortodoxos" sérvios também são cristãos.
Já agora lista apenas as religiões maiores porque ao todo são milhares.
...perante as "coisas" de Deus, as palavras são insuficientes: é escusado. a Fé é inquestionável. é esse o mistério dos Crentes.
fui contá-los e deu afinal 98,1% ;)
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