21 de junho de 2008

O CASO MENTAL PORTUGUÊS. O BLOCKOUT


Escrevi no último poste “…blockout…”. Até hoje ninguém veio a terreiro a reclamar o erro. Pois bem, quem sou eu para se importar com isso. Confesso-vos que não se trata de um erro na vigência, quer do actual passado, quer do actual futuro acordo ortográfico, nem tampouco de um lapsus calami. Foi antes, acreditem, um jogo de espírito com alguma matreirice a soar a rasteira.

Está em blockout subjacente a fusão dos termos “bloqueio” e “lockout”. A aplicação de cada um ao caso em apreço não careceu de uma explicação detalhada pois apreendia-se por si directamente. Hoje, só o afastamento no tempo das ocorrências a que o postal se referia justifica uma explicação breve pois, como se sabe, a memória do povo, e os interesses da comunicação social, só dão pela notícia, como o apreciador de peixe, enquanto está fresca.

Foi de facto um bloqueio em múltiplos sentidos: bloqueio de estradas, impedindo ou dificultando o trânsito rodoviário; bloqueio do fluxo de mercadorias, impedindo a sua chegada aos locais de consumo; bloqueio ao Estado, impedindo o exercício da sua função regularizadora da vida nacional. Foi também um lockout enquanto paralisação da actividade ditada pelas entidades patronais, decisão essa que, uma vez tomada, impedia o acesso ao trabalho dos seus empregados.

O que ganhámos na fusão de dois num único termo? Economia de palavras, não me parece. Um acréscimo de significação? Sim. É sobre essa mais valia a que se refere o postal de hoje.

O blockout é um jogo da família do Tetris em que as peças bem como o espaço de jogo são tridimensionais. A tarefa consiste em rodar e mover cada peça, à medida em que vai aparecendo, de modo a acamá-la sem deixar espaços em branco. Cada linha completamente preenchida pontua e desaparece, fazendo baixar a pilha de peças. Caso contrário, a pilha cresce até ao topo e o jogo termina.

Foi o que me sugeriu o lockout dos camionistas: sempre que um camião parava, paravam os pontuadores da criação e da redistribuição da riqueza nacional. E não há més nem memés: os números têm a crueldade das coisas verdadeiras!

Quem são os camionistas? A que grupo pertencem, aos grandes ou aos pequenos? Qual é a sua posição mental: mania ou depressão? São um grupo isolado ou partilham características com um grupo maior?

Comecemos pelo fim. Em Portugal, há uma classe social de estatuto médio e com características híbridas. São os pequenos e médios proprietários/empresários/patrões. Proprietários agrícolas, pescadores, comerciantes locais/tradicionais, camionistas, construção civil, pequenas e médias indústrias.

Pelo trabalho esforçado amealham riqueza, estatuto social e ostentação. São donos, forma demótica de ser proprietário; e são patrões, forma empresarial de ser paternalista.

Pelos baixos níveis de formação e por extracção social, são povo: ética do trabalho, linguagem rudimentar, modos e gostos grosseiros, baixo empreendedorismo, pouca inovação e renovação tecnológica.

Pelo poder, capacidade económica e jactância, são grandes. Pelos modos, saber e valores, são arraia miúda. Pelo lado da grandeza, são politicamente conservadores; pelo da miudeza, radicais e anarquistas. Não admira, portanto, que sejam requestados e arregimentados, tanto pelos partidos políticos de direita, como de esquerda.

São a base do poder popular desde a idade média nacional (revolução de 1383) e podem encontrar-se nos dois lados das trincheiras das lutas políticas (restauração, miguelistas e liberais, revoluções e contra-revoluções na Republica e no 1926, movimentos radicais à esquerda e à direita no PREC e no após 25 de Abril).

Estão contra as grandes empresas, nacionais ou estrangeiras, que os abafam. Pequenos comerciantes contra as grandes superfícies, pequenos camionistas contra grandes empresas de camionagem, pescadores nacionais contra empresas espanholas, agricultores contra as políticas agrícolas comuns. Pequenos livreiros, Leya e crise na Feira do Livro de Lisboa.

Estão contra os assalariados com acusam de preguiça, consumismo, falta de espírito de poupança. Habituados a trabalhar (“cedo erguer”) e a aferrolhar. Frugalidade. Ostentam superioridade moral e valores a condizer.

Em relação ao Estado é a classe mais subsídio-dependente. O Estado funciona como uma grande companhia de seguros: tem que protegê-los da Comunidade Europeia, do estrangeiro, das calamidades naturais, das crises económicas ou financeiras, das reivindicações dos assalariados.

É uma dependência sem contrapartidas numa economia subterrânea onde é típica, sobretudo na construção civil e nas pequenas empreitadas domésticas, a fuga aos impostos facilitando o cliente com a não emissão de facturas.

Comove-me saber que pararam a paragem para ver o Europeu. Comove-me saber que sofreram com a derrota.


São os bipolares, uma grande minoria neste país profundamente dividido.

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5 Comentários:

At 23/06/08, 19:07, Blogger dona tela comentou...

Quer espreitar o projecto do meu novo "profile"?

Muito obrigada, mais uma vez.

 
At 24/06/08, 14:53, Blogger poetaeusou . . . comentou...

*
e perdido fiquei,
,
saudações
,

 
At 25/06/08, 12:02, Blogger Teresa Durães comentou...

o pai estado....

 
At 25/06/08, 22:22, Blogger bettips comentou...

Será mais o Blackout das mentalidades abrangentes, hoje que tantos patrões acharam que foi "o acordo possível"... coitadinhos! Antes, sim, sair para as ervas sem nome ou as sem destino.
Um abraço para esse sul possível!

 
At 27/06/08, 11:03, Blogger dona tela comentou...

Vou mudando o paradigma.
Beijos.

 

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