13 de outubro de 2007

Crónicas do Juvenal: os macacos

Dada a estadia inopinada em Lisboa, que irá prolongar-se durante este fim-de-semana, aproveitei para ir ontem ao CTCFG. É que viver na imensidão do Ribatejo, entre o Bairro e a Lezíria, o tinto e o que já foi transparente, as vacarias domésticas e os toiros ao ar livre, a proximidade da A1 vertiginosa e cosmopolita e a do Tejo multissecular e ruminante, comer com os olhos até perder de vista as culturas de girassol, tomate ou melão, é coisa que sossega e tranquiliza o velho guerreiro cansado de guerra e ansioso pela áurea mediocridade. Mas tudo tem o seu tempo e o tédio lá faz o seu retorno quando a coisa parece correr pelo melhor. Por outro lado, se é que a vida tem lados, há alturas, confesso, que não estou mais para aturar a presença pesada e colada do Juvenal, bom amigo desde o princípio do mundo, que é desde que foi meu impedido na tropa e que uma mina o soprou uns bons metros para cima das copas das árvores da mata do Cassai, lhe desfez o andar regular, lhe emprestou a actual silhueta antropóide e lhe baralhou um bocado as ideias, tal foi a açorda em que lhe ficaram os miolos dentro daquele crânio ossudo e teimoso. Aturar a velha Odete, sempre com as mãos por debaixo do avental a adensar o ventre já de si proeminente, a olhar-me com ar complacente e um sorriso de Mona Lisa, como se eu fosse o filho que não teve, dotado de talentos colossais, um génio mesmo, mesmo que sem provas dadas, a vigiar a minha saúde, “tenha cuidado, senhor doutor, está um pisco, tem que se alimentar melhor, assim não chega à Páscoa” … ufa!... Lá lhe respondo: “Para a matança, Odete?”, ao que ela se ri, mostrando generosamente as gengivas desdentadas, “ai não tem juizinho nenhum, precisava era de arranjar uma mulher” deixando em suspenso e vago mistério a razão por que haveria eu de precisar de mulher, que para gente de lei não era precisa explicação.

Andava para aí sem saber ao certo o que fazer na grande cidade. Lisboa só tem beleza quando nos afastamos para o alto das suas colinas. Cá em baixo é uma cidade de cenário para filmes neo-realistas, cheia de lixo e vazia de pessoas. Vi por acaso num cartaz e decidi ir lá espreitar: passava no Centro de Treinamento para a Cidadania e a Felicidade Globais uma sessão de macacos a copular. Fui à FNAC comprar os bilhetes e demorei-me a ver as novidades editoriais. O que está à venda representa bem a sociedade em que vivemos. Portanto, tudo continua na mesma, tudo continua bem. Lá trouxe uma resma de livros, de todas as categorias da arte e do saber, cujo peso se somou aos dos dois pastéis de nata que tinham sido o meu almoço acompanhados de uma bica.

A parte nova da cidade parece uma boca completamente desvitalizada, restando-lhe poucos vestígios daquilo que a pôs, quando jovem e bela, em exposição internacional. Está um sítio sem graça, difícil de circular e de estacionar. Lá fui ao espectáculo.

Os animalejos são trazidos à arena por um treinador do circo. Um cientista desempregado, que o panfleto diz ser doutorado pela faculdade de ciências da universidade de Lisboa, faz a apresentação do número. Explica detalhadamente, a modos de intróito, a anatomia e a fisiologia do coito dos bichos devidamente fundamentadas na sua história evolutiva e nas particularidades do meio em que a espécie se desenvolveu. A plateia aplaude fortemente o primeiro casal de primatas que vem junto do público fazer amor. De acordo com os princípios do reforço positivo, o treinador transporta um cesto com cachos de bananas para distribuir pelos actores em instantes rigorosamente controlados da sua actuação.

Os actores apresentam-se impecavelmente vestidos. Ele, de fato antracite, camisa azul eléctrico e gravata de seda salmão berrante, fica com o ar distinto de um consultor de gestão de uma multinacional das telecomunicações, distinguido com a excelência do MBA tirado numa universidade agnóstica da Opus Nostra. Ela é simplesmente indescritível: toda anca meneante, porte de princesa de contos de fadas, vem vestida como a Branca de Neve, encarnada por uma jovem emigrante portuguesa na Eurodisney.

O acto decorreu de acordo com os princípios da natureza. Os números seguintes repetiram o enredo dos anteriores, não fosse a algum espectador menos atento falhar-lhe algum pormenor importante.

Voltei ao hotel regressando a pé parte do caminho. Doía-me não sei o quê. Não era no meu corpo. Era algures no universo imenso, creio que lá no sítio onde rareiam as estrelas.

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1 Comentários:

At 13/10/07, 23:37, Anonymous Anónimo comentou...

que blog mais estupido!

 

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