25 de agosto de 2015

E o Sol continua a nascer todos os dias

Alguém se lembra de como era o mundo antes de haver o Facebook? Alguém se lembra de como era mundo antes de haver internet? Alguém se lembra de como era o mundo antes de haver canais por cabo e televisão a cores? Alguém se lembra de como era o mundo antes de haver telefonia?

Eu nasci, precisamente, um pouco depois de começar a haver rádio e um pouco antes de haver um canal de televisão a preto e branco. Também só havia uma auto-estrada que ia de Lisboa ao Estádio Nacional no vale de Jamor. Para quê mais se carros havia poucos e andávamos imenso tempo a pé para apanhar os transportes públicos? 

Não vou afirmar que hoje há mais funcionamento do "eu" do que actividade do corpo, mais estados conscientes desligados da realidade "real", mais mundo virtual do que mundo "real". Também entretínhamos as mentes só que à maneira daquele tempo: líamos os contos infantis do Andersen nos livros da Majora, estávamos atentos, enquanto brincávamos com molas da roupa e caricas, aos folhetins do Tide que a mãe ouvia enquanto lavava a loiça do almoço, devaneávamos durante a marcha de vinte minutos, através das azinhagas no meio dos trigais, quando íamos apanhar a Benfica o eléctrico para os Restauradores. 

Se houve nos últimos tempos uma revolução tecnológica, o que ela revolucionou foi o mundo. O mundo já não é como era. As mentes estão mais emaranhadas umas nas outras numa complexa rede ou teia de interacções rápidas, quase instantâneas. Afinal, feitas as contas, o que mudou foi a aceleração do mundo. Os "eus" continuam encerrados nas suas conchas, nas suas múltiplas conchas e personalidades, enquistados dentro de si próprios como os prisioneiros da caverna de Platão, e os corpos são coisas lá de "fora", aglomerados de átomos de Democrito a caírem teimosamente na vertical. Houve, antes desta, uma grande revolução. A revolução industrial? Não, isso são trocos. Uma revolução a sério que consagrou o corte do mundo em real e virtual, a separação entre o corpo e o "eu", entre a "natureza" e a cidade, entre "povo" e dirigentes, entre a "sociedade humana" e as mulheres, entre céu e terra, entre o criador e as criaturas. A revolução agrícola abriu a caixa de Pandora.

"Estas distraído?", pergunta o Pêto, "Antes estavas atento às minhas necessidades. Não é aí que eu quero que me coces. E diz ao Escãozelado que ainda não chegou a hora dele e que vá dar uma voltinha".

Parecia que vinha aí uma carga de chuva mas não aconteceu nada. Agora raiou o sol, mudaram-se os humores, chegou a altura de ir trabalhar.


1 Comentários:

At 13/09/15, 18:06, Blogger Justine comentou...

A gente só "come" o que nos apetece, o resto põe à beira do prato...
Continuo fiel a este mundo pacato dos blogues, que está para o FB como esta tranquila aldeia está para a 2ª Circular às 7h da tarde...

 

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