10 de dezembro de 2014

A descansar de outras escritas

A descoberta desta manhã não merece um único qualificativo. É uma pura descoberta, um "ah!" prolongado e suspenso apenas. Quase que não merece descrição, a única possível sairia minguada, desconexa, incompreensível. Por isso, passemos à frente! 

Os dias continuam iguais a si próprios, agora secos e frios. Também já foram iguais a si mesmos, mas chuvosos e escuros. Pergunto-me se os dias são iguais a si mesmos ou se são o mesmo dia, sendo o dia de hoje o dia de ontem, sendo a noite a separá-los uma ilusão, uma sombra um pouco mais duradoira a ocultar a luz do sol, desse astro luminoso que nos impõe o tempo. Afinal, a vida é apenas um dia.

Isto é aqui, no meio do campo, onde as árvores se conservam de pé e os passarinhos piam de manhã. Os gatos esperam rotineiramente a distribuição das suas rações para depois escolher um lugar para dormir, um lugar ao sol, claro!

A parafernália de instrumentos electrónicos plantada neste ermo bucólico faz irromper com um estrépido brutal e explosivo a insensatez do "mundo" de lá de fora. É um filme mau em todos os sentidos. Cabeças degoladas pelo fanatismo islâmico, o assassinato das classes médias, a política de sarjeta, o sofrimento da pobreza e da doença colectivas, os elementos em fúria, a estupidez e a ganância dos banqueiros, a teimosia de deus e dos seus acólitos em amarrar a vontade das pessoas e em ceifar-lhes a inteligência.

Aprendi ao longo da vida a acordar à justa no início dos pesadelos. É mais difícil desligar a televisão ou o iPad. A tentação é não os ligar. A vida assenta de novo. Experimentas a cumplicidade felina. Ave, Farrusca! Ave, Agnus! Ave, Peto! Ave, Rutschkinha! Ave, Amarelo! Ave, Cenoura! Ave, gatos anónimos do meu quintal!

E instala-se o sentimento da vida, o passar lento desse único dia. Experimentas a duplicidade do tempo. Um tempo assimétrico que conduz num só sentido, arrastando consigo a elasticidade e a resiliência do corpo. Um outro tempo simétrico que, chegado a um ponto de que não te dás conta, esbarra numa barreira invisível e te inverte a direcção fazendo-te sentir muito jovem, depois criança, cada vez mais criança, cada vez mais perto do mistério, o único mistério que há no mundo, o do nascimento, o do dia em que despertou a consciência e em que criaste a totalidade do que existe.

1 Comentários:

At 11/12/14, 01:05, Blogger magix comentou...

Maravilhosas reflexões tremontelianas das quais já tinha saudades. Ruskas, pretos e amarelos em forma de gatos a acompanhar os dias sobre as árvores de pé .... Hum, como adoro esta escrita que me traz os ares frescos e cheirosos desse campo sereno.

 

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