27 de outubro de 2012

cartas registadas com aviso de receção

Vou muitas vezes ao Tremontelo só a ver do correio. Ausências prolongadas levam à pronta saturação da caixa. A gente abre-a e atrás da portinhola vem um atropelo de cartas, de avisos, de papelinhos de ofertas de trabalho e toda a inutilidade de panfletos do Continente, do Aki, da Staples, do Mestre Mako, do Pingo Doce e de todas as catedrais e capelas do consumismo escalabitano. É uma trabalheira a separação da papelada em dois molhos no outro assento do carro. Depois, o acartar para o contentor azul. E vai-se tornando hábito!

O que mais me assusta são os avisos, sobretudo quando vêm das Finanças, agora promovidas a Autoridade Tributária. É um sobressalto que dura todo o fim de semana porque a carta só pode ser levantada na segunda-feira. Há dias recebi um aviso de outras proveniências, de uma sigla imprecisa e desconhecida. Segunda feira de madrugada, fiz a barba, duchei-me e desenfrasquei a colónia para cima do corpo, vesti roupa de ir lá fora, ao mundo, e pequeno-almoçado me fiz à estrada até ao edifício da Junta onde funcionam os correios. Conversa do costume, que é de circunstância, que assim e assado, que dá e que tira, e o tempo que está, a saída para a crise que não tem saída, e o desgoverno do Governo, a lata deles - porque é esta a condição do ser humano: não ficar calado quando se encontra outros seres humanos mesmo que não haja nada para dizer porque falar não é comunicar, é apenas humanizar e o melhor que há a dizer é redizer o que já está dito como desfiar avé-marias no rosário de contas. A dizer ou a ouvir, a gente estende o papelinho sem dizer nada porque as senhoras já sabem que é para levantar. Antigamente pediam o bilhete de identidade e assinávamos em dois sítios que tinham as cruzinhas que as senhoras punham para a gente saber onde assinar. Para meu espanto desta vez a coisa não foi assim: deram-me um papel com quatro letras e três algarismos, tudo garatujado, distorcido e misturado de modo que não fizesse sentido algum, e pediram-me para copiar num determinado lugar no aviso. Fiquei para ali especado, sem noção do tempo em que fiquei assim. A menina dos correios disse-me com um sorriso que parecia gentil: "é para termos a certeza de que não é um robô".