31 de outubro de 2010

Quadros (1)

Abrir ou não abrir a caixa! ... o monstro ... o monstro.

Se um dia a destapar e vir a cara da morte O gato vem, bate o pingalim nas pernas e senta-se na pedra do caminho a descalçar as botas Não vale a pena esperar que o pássaro regresse, ele não regressa Pelo menos por enquanto! Pedintes são aos montes desfilando obedientes na coluna imensa de gente ao longo da estrada Tiro a rosa da lapela e desfolho-a As pétalas caem lágrimas rosadas na poeira da berma A saliva engasga a amante que contempla a foto murcha do homem fardado O ar pesa, tem o cheiro de um produto fora de prazo Passam veículos atarefados buzinando estafadamente. O gato olha-me com um sorriso enigmático É prontamente arranhado pela gata e afasta-se ao pé coxinho com a bota na mão.

e se o monstro? ...

A tartaruga espoja-se no chão torcida e retorcida a procurar coçar-se no interior da carapaça Para a acalmar o coelho senta-se em cima dela e começa a fazer caretas Os velhos começam a jogar às cartas tentando recomeçar o jogo no ponto em que tinha ficado Não havia bem a certeza e negociaram uns certos arranjos o que conveio a todos

Imaginava sempre a morte como tendo uma cara atraente Não dava saída à insinuação generalizada de que tinha os dentes podres e a cara cheia de rugas As pessoas gostam de a pintar de negro e esquecem-se que a sua irmã vida é que é a madrasta com as verrugas no nariz O coelho fazia cabriolices sem que a tartaruga se importasse O gato é que apreciaria ver aquela cena em cima do porco-espinho mas o porco-espinho tinha-se afastado da estrada a deixar no seu pensamento a estrada para os cães Se a estrada praticamente só tem um sentido porque não ir cada um por onde lhe apetece?

Gostava de rever a ave seguir com a cabeça os seus movimentos seguir com os olhos a sua plumagem Lá do alto é que se deve ver bem Um dos velhos bate o sebento valete de paus com uma risada bem desenhada nas gengivas destapadas O gato dá-se ares a mostrar como é que se é Faz-se importantão quase sempre que não está a dormir mas não à vista da gata que tem o sentido das conveniências e faz-se respeitar A tartaruga adormeceu com o sapateado do coelho.

Os velhos reclamam cada um vitória um tipo diferente de vitória adequada aos seus méritos O cão já marcou a sua presença em duas árvores na orla da estrada e agora regressou para ladrar aos burros que puxam carroças Agora está outro velho a distribuir as cartas e fala mais rápido que distribui O outro tira impensadamente saliva da boca com o indicador como que para ajudar o primeiro O gato tem novamente as duas botas calçadas.

Olho a caixa desejo e temo abri-la Do ar caem penas aos ziguezagues de um lado para o outro como um iô-iô Um velho corta a vasa com o terno do trunfo.

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2 Comentários:

At 06/11/10, 11:45, Blogger Justine comentou...

Conseguiste imaginar o outro lado, mas o espelho agora é outro! Creio, como me dizes, que agora do outro lado não há maravilhas nem sonhos, apenas insanidade e monstros. Vais ter coragem de abrir a caixa? Será preciso?

 
At 08/11/10, 18:24, Anonymous Anónimo comentou...

o eterno balouçar entre o medo e o desejo.abrir ou não a caixa?
pergunto-me ainda em que lugar, dentro ou fora, se ocultará hoje a esperança.

marradinhas da bicharada do "pequeno jardim.

 

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