21 de julho de 2010

Chatos, bandulho cheio e vomitado de bêbedo: tudo a propósito do FaceBook

Desculpa-me, Isobel, o não te ter respondido logo, pois não percebi que isto "era" um e-mail. Como vês, já ando com questões ontológicas com os e-mails, a distinguir os que "são" dos que "não são". Aproveito, ao responder-te, para responder antecipadamente aos amigos que me vão fazer, também, as mesmas perguntas.

Na verdade, caem-me aqui, todos os dias, montanhas de e-mails provenientes do FB, os que "não são", que se baralham com os que "são", escondendo-os. Este é um dos inconvenientes, mas, certamente, não é o maior. O tempo que se perde já me fez perder o sentido das prioridades de quando me sento ao computador. É claro que, em princípio, devo ser eu a fazer a triagem no FB, seleccionar só o que me interessa, gerir o meu tempo rigorosamente e blá-blá-blá ...Mas, no meio e no fim, não é isso que acontece: qualquer decisão que materialize é realizada em público, aos olhos de toda a gente. E isso cria susceptibilidades, desperta ciúmes, levanta suspeitas. Aí, tenho que ir a todas.

Não gosto demasiado de revivalismos e o FB está sobrepovoado de reminiscências: músicas-nostalgia, fotos-viagens, etc., e os comentários estão irritantemente a transformarem-se em chiadeira sentimentalona e repetitivamente monótona. As coisas estariam, para mim e quanto a mim, mais arrumadas se as músicas, vídeos e fotografias pudessem ser arrumadas em catálogos e álbuns para consultar e comentar quando apetecesse. Tudo no FB parece apontar para que sim, que as coisas se passam dessa maneira, mas não. A facilidade com que se pega numa música do YouTube e se mete lá é impressionante e isso substitui a prática da conversação, a essência destilada da convivência humana. Digo conversação, e não criação literária - não falo da aristocrática literatura dos grandes escritores, mas da democrática literatura popular. O mesmo se passa com a democrática fotografia artística. Ambas, perigosamente têm estado a fugir dos blogues para o FB! Porque as pessoas deixaram de cuidar dos seus blogues e de ter tempo para frequentar os blogues de outrem. E as produções deixaram de ser cuidadas, passaram a ser fragmentárias e impensadas, aleatórias e outras sei lá que maldades. Poderão contra-argumentar que estamos perante novas formas de arte, uma nova estética revolucionária produto do FB, uma mistura de dadaísmo, fauvismo, arte nova, minimalismo, pop, funk, pank, arte mural urbana, música pimba, serialismo, dodecafonia, cacofonia e outras coisas sem nome ainda inventado. Chamem-me reaccionário, mas não gosto. Gosto dos cantos solitários que convidam à reflexão, à meditação e à partilha, não dos Renmin Ribao da verdade única, do pensamento monobloco e do sentimentalismo de "template".

Estão aqui expostas algumas das razões (não só razões, mas também motivações) para a minha chateação, enfartamento e enjoo. As palavras escolheste-as bem porque são realmente as três fases, por essa ordem, do processo que trilhei:

Primeiro, chateei-me. A metáfora com os "piolhos do púbis" faz aqui todo o sentido: depois das primeiras comichões, uma pessoa começa a coçar-se, o que aumenta as comichões; aparecem, a seguir, os pontinhos negros na pele, que proliferam, gerando angústias existenciais do tipo "será que estive demasiado tempo ao sol e que me esqueci de botar o protector solar?". A angústia, aqui, é como a comichão: quanto mais autodiagnosticamos o estado da pele mais a mancha prolifera. Chamei ao conjunto "comichão existencial (segundo a fórmula: comichão + angústia existencial -> comichão existencial). A seguir, os pontinhos começam a cair e a tendência para os levar a exame à luz do candeeiro conduz a concluir que têm milhares de patinhas a dar a dar. A partir daí é vê-los nos chinelos de quarto, nos lençóis ou afogados na banheira num transe de "delirium tremens". A chateação acaba por ser um delírio comichoso capaz de fazer tremer os alicerces da nossa existência.

Depois, o fartanço. É como quem comeu com alarvidade e agora não consegue arrotar a não ser a poder de Água das Pedras. O estômago entesa-se e encortiça-se, respira-se mal e a custo, e dizer "satis!", que em Latim quer dizer "basta!", mas que, em Português, que é uma língua de submissão pacóvia e de cordialidade passiva, pode ser traduzido por "estou satisfeito!" nem que se esteja literalmente a rebentar. É que o português, a seguir, corrige dizendo: "vou comer só mais um bocadinho!".

Finalmente, o enjoo: a náusea e o vómito. É como estar num navio de cruzeiro em mar encapelado depois de ter bebido uns copitos em cima de uma refeição que "caíu mal": a gente a querer estar queda e o barco a revoltear-se todo. Os ossinhos do ouvido parecem astronautas a cambalhotear no meio imponderado e imponderável da desgravidade; ao cerebelo e ao tronco chegam informações conflituantes da posição corporal. São estimulados os receptores da dopamina que activam certos centros cerebrais e lá se dá a exgurgitação em jacto de pedaços de secretos de porco preto marinados em restos de morango e pudim flan, a tresandar a tinto recozido.

Assim tem vindo a ser a minha relação com o FB e mais não tenho feito que coçar-me, arrotar e vomitar. O último passo será fazer explodir-me: assim se vão os chatos, as úlceras e o parkinsonismo intelectual.

Não significa que vá haver mais jardinagens, talvez estas diminuam. Não me bastava o FB, tinham que andar para aí, também, as tendinites.

Há alturas em só me apetece dizer: " Ó balha-me Deus!"

Um beijinho
Rui


No dia 20 de Julho de 2010 20:13, Isobel escreveu:

[ ... ]

Porque é que te chateaste, fartaste, enjoaste, posso saber?

Abraço e boas jardinagens.
--
Isobel

8 Comentários:

At 21/07/10, 14:44, Blogger bettips comentou...

Com mais ou menos ligeireza - e contudo, a minha-alguma-profundidade - há atritos, desequilíbrios, regorgitações, vaidosas-coisas, que fui sentindo estes meses no FB. Há muito poucos a partilhar, simplesmente, as suas fotografias, as suas palavras, unicamente para conhecimento dos outros e não pura auto-promoção. E, para já, o blog é como cuidar um pequeno jardim à porta de casa, escolhendo as ervas e plantando o que gostamos. Felizmente, as primeiras impressões, os amigos principais e iniciais com quem cruzámos os ares, vão-se mantendo.
Um abraço, Rui.

 
At 21/07/10, 17:54, Blogger Licínia Quitério comentou...

Há duas opções, revogáveis a qualquer momento: estar ou não estar no FB. Os que lá andam são os mesmos que têm ou não têm blogues, que vão ou não vão aos centros comerciais, que lêem ou não lêem, que são bem educados ou não, enfim, é a populaça a que também pertenço. Está-se no FB com as mesmas qualidades e defeitos com que estamos na vida. Incluimos ou excluimos do nosso convívio quem nos agrada ou desagrada. Tenho aprendido muito no FB, tenho encontrado gente que sabe infinitamente mais do que eu e que não está ali a fazer piruetas de erudição. Ali dou a conhecer as minhas habilidades, tal como nos blogues, tal como nos livros, com adaptações ao formato em questão. Eu que de música sei tão pouco tenho ali conhecido muito que doutra maneira nunca teria chegado até mim. Exponho fotos que gosto de fazer, como no blogue ou no Fotodicionário. Tenho sido encontrada por amigos do longe com quem voltei a cruzar palavras como nos outros tempos. Não são só rosas, não. Também há daquelas pessoas que a propósito de um poema aproveitam para mostrar outro de sua autoria sem dizer népia, bem ou mal, sobre o nosso. Há os que têm opiniões próprias acerca de tudo, sabem tudo e até se esquecem de dizer se gostaram ou não do que publicámos. Mas isso é uma questão de má educação com que deparamos a cada passo: no supermercado, no café, na tertúlia. E a selecção vai-se fazendo, naturalmente.
Esta é uma parte do meu testemunho que não coincide exactamente com o vosso. Das vossas razões não me atrevo a falar, pois são exclusivamente vossas. Talvez as minhas expectativas fossem muito baixas e por isso ainda não me decepcionei. Mas quando isso acontecer, é facílimo: desligo-me.

Eu ando por onde sabem e por isso é sempre fácil encontrarem-me, se o desejarem. Habituei-me a ser vossa amiga, independentemente de estarem ou não no FB.

Por onde andarmos, uns nos outros pensaremos.
Um beijo, Rui.
Um beijo, Bettips.

 
At 21/07/10, 17:55, Blogger Licínia Quitério comentou...

Este comentário foi removido pelo autor.

 
At 21/07/10, 19:07, Blogger Alien8 comentou...

Faço minhas as palavras da Licínia.
Abraço, Rui.

 
At 21/07/10, 23:05, Blogger Rui Fernandes comentou...

Como aprendi com o Rodrigo, são os lugares que fazem as pessoas e não as pessoas que fazem os lugares. E foi nesse contexto que escrevi o que escrevi, Licínia: no terceiro parágrafo do post, a que deste um relevo particular, refiro o que "não gosto" no FB em comparação com o que "gosto" noutros lugares, sem a pretensão de criticar os que lá vão e o que eles lá fazem. Penso que as pessoas acabam, naturalmente, por ser arrastadas a fazer o que vêem fazer aos outros por pressão selectiva do ambiente reinante. Que outros o façam, não é problema meu. Que eu me deixe levar, já é mau. Nessas alturas, afasto-me. Não se trata de decepção, mas de protecção. (Ao longo da vida, algumas pessoas decepcionaram-me, os lugares nunca - é que não têm força para isso!). Sabendo que, largando um lugar que frequentava habitualmente, deixo lá pessoas de quem gosto, é forçoso dar uma satisfação (que pode silenciar as verdadeiras razões da decisão tomada), despedir-me e avisá-las dos sítios por onde conto andar. Foi o que fiz, não me desligando sem dar cavaco. As razões aduzidas não são argumentos para convencer outrem a vir embora comigo.
Lamento que o FB não tenha sido o lugar preferencial para encontros rápidos e reencontros e se tenha tornado num lugar de exposições (penso que é também o que a Bettips quer dizer, mas ela desdizer-me-á se não for o caso). É verdade que o convívio continua em qualquer lado, em qualquer dos dois mundos. E que as amizades não se põem em questão por tão pouco.
..........
A fórmula do Alien é motivada pela preguiça de escrever e, por isso, não lhe vou dar resposta.

Beijos e abraços .

 
At 21/07/10, 23:06, Blogger magix comentou...

Ora cá estamos nós novamente no Tremontelo a partilhar os jardins com gatos do Rui. Eu cá acho graça ao feissebuque, mais leve, mais dinâmico, mais efémero, também. Volátil. Diferente, sem dúvida. Cada um participa como quer e pode. Muito ou quase nada. Enfim. Pano para muita discussão.

 
At 22/07/10, 00:06, Blogger bettips comentou...

Sim, Rui.
Sim, Licínia.
Por isso tudo.
A selecção vai-se fazendo para mim, naturalmente com "os muitos poucos" que referi.
Tal como raramente vou a CsCs.
E não me considero fazendo parte da populaça, na verdade. Quando muito, estou na franja dos "inadaptados".
Não tive o gosto de reencontros que imaginei (expectativas altas, as minhas L.) mas aprendo sempre. Aqui ou ali. E não trocava o que conheci, ou quem conheci, na internet por algumas pessoas reais com quem tive/tenho de conviver. Vocês dois, por ex.

Já agora, Rui, o último PROMS onde esteve a MJP foi há 11 anos, segundo o que ouvi hoje na Ant2.
Bjs

 
At 24/07/10, 22:47, Blogger Justine comentou...

Isto está animado que se farta!!!!
E eu, que vou ao FB quando o rei faz anos, que faço um post novo uma vez por semana algumas semanas, que continuo a privilegiar o contacto pessoal com os amigos, a minha jardinagem canhestra e as brincadeiras com o meu gato, continuarei a procurar-vos onde vos possa encontrar porque gosto de vos ler, porque acho que têm qualidade, porque acredito que posso aprender alguma coisa convosco.Porque gosto de vocemecês!!
E agora vou dormir, que já são mais que horas...
Um beijo aos 3 amigos e um especial ao Rui, como dono da casa:)))

 

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