Peripécias
Há muito que não vos conto as peripécias das minhas gatas. "Peripécias", foi isso mesmo que quis dizer: no sentido arquetipal de περιπέτεια! ... Mas, isso, são contas e rosários de outro mundo.Há um mês atrás, não consegui estar em parte alguma de tudo o que é lugar dotado de extensão, pois tais eram os choros excruciantes de bebé a passearem-se na minha envolvente auditiva. (Pondo de lado a linguagem de porco a caminho do matadouro: ouvia, por todo o lado, miados que me pareciam choro de bebé.)
Era o gato da minha vizinha cujo filho de tenra idade, na exiguidade de linguagem e de bichanos, havia imposto os horrorosos nomes de "Gato" e de "Miau". O bicho andava, ou com mau olhado, ou coceira não se sabe bem onde, que passava a vida a caminhar de um lado para o outro, indolentemente, a espalhar a gemideira.As gatas, que não costumam ser nervosas, não lhe ligavam peva e, se o viam, fingiam não o ver e olhavam para o lado desinteressadamente interessadas num passarito ou num gafanhoto. O Miau lá lhes dava a volta, cincundando-as vinte ou trinta vezes, até que calhava ficarem num frente a frente olhando-se provocatoriamente. Após arrastar o anafado bandulho na argila do solo, e quase sempre quando eu já estava distraído daquelas cenas, em pulo ele saltava sobre a dama e rápido se escapulia às suas garras afiadas.
Foi assim que, em data incerta, pariram cada uma sua ninhada. A Ratita apresentou-me cinco e a Farrusca quatro. Tenho agora doze bocas para alimentar se contarmos com a inútil da Tia Laranjinha. O Miau aparece à hora das refeições mas fica de longe a ver, com o ar de quem não aprecia as maneiras labregas de estar à mesa daquelas gatas e crias tão rústicas.
O Gato é irritante: passeia-se por ali com ares de lorde e ignora-me ostensivamente. Também o dou ao desprezo. Acho que as gatas, agora, também o ignoram.
Agora parece terem acabado as uniões endogâmicas e as taras recessivas: não só apareceram novas listas no pêlo como reapareceu o branco, com uma cria a lembrar o An Ji e outra toda branca a parecer-se com uma cobaia de laboratório. Os bichos são espertos e muito mexidos, cada um com o seu temperamento. Mas essas peripécias ficam para depois. Agora há que ir regar os jardins.
postal enviado por Rui Fernandes @ domingo, junho 20, 2010
5 Comentários:
Há muito que não nos contas nem as peripécias das tuas gatas, previsíveis depois dos luares de Janeiro, nem as peripécias do teu jardim, que, essas, devem ser muitas e coloridas...
Abraços
Com um gato nunca se está só. Com muitos enchemo-nos de particularidades.
E mais fotografias?
Beijo ao Tremontelo e aos manos.
Rui, eu não sou propriamente a Joaninha dos olhos verdes, e portanto os meus percursos são diferentes:))
O final infeliz tem só a ver com o estado deplorável em que está aquele troço da Ria Formosa, com tanta construção clandestina que até faz doer o coração...
Abraço
Já não vinha aqui há muito por te encontrar parado mas pelos vistos tens tido muitos afazeres...
Eu com três gatas já não dou conta do recado imagino o que por aí vai!
No meu quintal aparecem alguns armados em "D. Juan" mas não têm sorte nenhuma! :-)9
Abraço
Eu não comentei isto noutro sítio?
Parece-me que sim... ou então isto vai pior do que eu pensava.
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