25 de maio de 2010

Eu e o Tempo

Ele: "Então como tens andado?".
Eu: "Não sei, ando chocho; acho que é do tempo!"

Poderia ter respondido de outra maneira: "Tenho andado muito a pé e pouco de carro." Acho que não o fiz propositadamente, para não interromper a conversação ainda a iniciar o seu verdadeiro início. Pois, tal como a gente anda de um lado para o outro (locomovêmo-nos, que é como quem diz: movêmo-nos de lugar), também andamos connosco à trela trazendo em cima dos ombros uma catrefada de preocupações, disposições e humores, a que alguns deram de chamar as nossas cruzes, bem me importa a mim o que lhes chamam, podem ser crescentes, estrelas de David, foices e martelos, pois cada um se quer com a sua religião. E não pensem que muito andei para aqui chegar, porque a matutar, a decidir e a fabricar também é preciso andar, e se muitos chegam lá antes dos outros é porque também na marcha do pensamento uns são dotados de mais rapidez, os outros de menos. Por muito que o bom senso esteja comummente distribuído, como pretendia Descartes!

Foi, pois, minha decisão pretextar categoricamente um certo desconhecimento. Interessante o lado ficcional desta decisão: responder um "não sei" como forma de interessar o interlocutor pelo que julgo saber, que "ando chocho". Curioso termo este do "chocho" ! Tão arrebatador, tão intrigante, tão de estranhar, que me apetece escrevê-lo com dois xizes. Assim mesmo: "xôxo"! Seria diferente do outro chocho que as pessoas trocam entre si exprimindo o beijo de uma forma intensamente afectiva. Xôxo, assim mesmo, representando o vazio ressequido do cérebro metaforado na noz chocha, ou no alho chocho. Pois bem, "ando chocho" e, para que se perceba bem porque ando chocho, deixo bem claro que isto tudo é por causa do tempo.

"Bem claro", é uma forma de dizer! É claro que claro não é: a coisa é sacada um bocado às escuras, é "achada", estava ali por acaso e dei com ela por acaso. É isso que nós queremos significar por "achado". Também podemos querer dizer outras coisas: uma coisa de valor que é comprada barata, por exemplo nos saldos, é um "achado". Eu até acho que muitas vezes para consolidar essa ideia dizemos que é "um verdadeiro achado", não se vá pensar que fosse um achado falacioso e, por isso, enganador.

"Acho que é do tempo" - aí está! ocorreu-me essa: "estou chocho", logo "é do tempo". Postas as coisas assim ganham a feição do silogismo: C ergo T.

Mas no T é que a porca torce o rabo: "o tempo"!

Há quanto tempo não faz tão mau tempo? Tempo isto, tempo aquilo, o tempo em Português é uma coisa deveras complicada. Noutras línguas não é assim: em Alemão, distingue-se o Tempus, uma categoria gramatical, do Zeit, o tempo dos relojoeiros. Se um verbo, por exemplo "viajarei", está no futuro em termos de "Tempus" o seu estar no futuro é presente em termos de "Zeit". É um presente intemporal, de uma presença que era dada no passado e continuará a ser dada no futuro. A tudo isto chamam os anglo-saxões o Time, o tempo que é, e o Tense, o tempo em que o verbo está, e que distinguem do Weather, o tempo que faz. Em Português, nada disto: tudo é Tempo e é escusado pensar que o intemporal é a negação ou a privação de um temporal.

"Acho que é do tempo"... Do tempo de "andar", do tempo que anda para aí, ou do tempo em que para aqui ando? Boas perguntas, sim senhor.


Ele: "Deixa lá, que isso passa!".
Eu: "Sim! Com o tempo tudo passa!"

1 Comentários:

At 28/05/10, 19:25, Blogger Justine comentou...

Estilhaças a frase, fragmentaste o pensamento, e levas-me de arrasto, a filosofar contigo! Brilhante:))

 

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