19 de março de 2010

O vórtice.

Andamos nisto à cata dos segredos. O termo segredo provem do verbo latino secernere que, se tivesse transitado para o português teria dado algo como "secernir", com o significado de "pôr de lado"(cernere significa separar, distinguir), o qual iria alinhar com outros do mesmo paradigma, como "concernir" e "discernir". Segredo, no seu sentido mais primitivo, é aquilo que se põe de lado para não ser visto nem ouvido. É o oculto, o tapado, o escondido, o vendado, o velado. Enfim: aquilo que é isolado da nossa percepção sensorial. Está lá (no lugar do ocultamento) mas não se vê. O lugar do segredo é a secretária, o cofre onde são guardados os segredos; o guardião dos segredos é o secretário, aquele que não conhece o segredo mas sabe onde ele se encontra.

Todo o mundo anda à cata dos segredos, desde os segredos mais sagrados, os graals das nossas ilusões, aos segredos mais profanos, como os "segredos de justiça" com que nos iludimos. Os heróis deste novo tipo de garimpagem são os que desocultam, destapam, mostram, desvendam, desvelam; são os que explodem, estouram, rebentam com as secretárias; são os que raptam, amordaçam, torturam, intimidam, aliciam os secretários.

Um segredo revelado não é importante, veja-se, por exemplo, os três ratos paridos pelo segredo de Fátima! A sua importância vem do estar e do permanecer oculto, como sabem os arautos dos segredos descobertos. Por isso, os segredos são sempre mais sugeridos do que revelados, a sua revelação é parcelar, faz-se por ganhar tempo, oculta-se a fonte e os métodos da sua obtenção.

Garantem-nos os traficantes de todas as mercadorias que a alma dos negócios é o segredo. Cada empresa tem os seus stakeholders, ou seja todos aqueles que de uma maneira ou de outra têm lá investido algum tipo de interesse. Para lhes resistir, e porque faz parte da natureza das empresas viverem em clima generalizado de desconfiança (porque os mercados são arenas de combate), a empresa põe tudo de segredo: face ao Estado, a contabilidade paralela; face aos concorrentes, os seus segredos de culinária; face aos fornecedores, aos clientes, aos empregados, segredos, segredos, segredos, homens e mulheres de confiança da administração, homens e mulheres suspeitos, marcados, vigiados, controlados por directores, capatazes, vigilantes, seguranças, espiões.

Há os segredos amorosos, os segredos de Estado e os segredos de polichinelo, os que andam na boca de todos. Não é segredo, porém, que pela boca morre o peixe ou que as paredes têm ouvidos e que as comadres passam a vida a cochichar.

Anda todo o mundo em desatino à cata dos segredos: os segredos da vida, da eterna juventude, do amor, da felicidade, da paz e da harmonia nos corações. Olho as duas gatas bem no fundo dos olhos à procura de um saber antigo sobre os segredos que rodeiam a vida. Mergulho bem fundo nesses lagos de licor esmeralda como que sorvido por um vórtice que se prolonga ao princípio dos tempos. Nas descida, começo a desentender as palavras. E começo a entender sem saber dizer o quê.

2 Comentários:

At 23/03/10, 12:52, Blogger Justine comentou...

Vou então revelar-te um segredo: gosto da tua linha de raciocinio, clara e rica; gosto do fluir do texto e das imagens que utilizas; gosto das pitadas de poesia que vais deixando pelo caminho.
Quanto ao abismo do ohar dos gatos, concordo: há nele possibilidades de descobrir algo de primordial e indizível.

 
At 30/03/10, 19:26, Blogger Alberto Oliveira comentou...

Confio-te um segredo, o qual apenas é conhecido pela minha mulher, pela minha melhor amiga, por um amigo de infância e por um administrador da companhia onde trabalho. Quando dele tomares conhecimento, não me atrevo a calcular o número crescente de pessoas que já o conhecem, embora me mereçam o maior crédito aqueles a quem o confiei. O segredo é





que eu sou um livro aberto. Sem segredos.

 

Enviar um comentário

<< Página inicial