25 de janeiro de 2010

O interesse

Não sei o que o Rodrigo dirá a respeito disto que é o estar entre dois lugares. Para ser mais preciso, estar na A1, para quem não sabe a primaz das auto-estradas portuguesas; estar na A1 entre Lisboa e Santarém, que é o que eu chamo o sentido da ida; ou estar na A1 entre Santarém e Lisboa, o sentido da vinda.

Fui ali ao dicionário verificar que em Latim "estar entre" se diz "inter esse". Pois bem, cumprindo categóricamente as regras da dedução silogística, admitirei que há um duplo interesse na A1, o interesse de ir e o interesse de vir. Mas percorrendo a estrada num sentido ou noutro, interrogo-me, já não sei se coçando a nuca ou se cofiando o cabelo com o reconhecido risco idêntico ao de fumar ou de usar o telemóvel durante a condução, interrogo-me, estava eu a dizer, qual o sentido do interesse de ir ou de vir. Pois não é melhor estar simplesmente num lugar sem ceder à tentação do movimento?

Claro que a gente está sempre a pensar e, às vezes, confluem ao lobby do pensamento uma imensidade de ideias absurdas e disparatadas. À maior parte delas, a gente responde com um rotundo [DELETE] e faz assim com a mão, a modos que a empurrar, com jeitos de croupier, a ideia para o cesto dos papéis. Outras ficam a baralhar-nos o curso da consciência como borboletas rutilantes a teimarem na atracção da flor. A maior parte das vezes temos que deixar de olhar para a flor e reparar na borboleta.

Uma dessas, que era mais mosca de vir esmagar-se sanguinolentamente (mais rápida que lentamente) contra o para-brisas, e que renascia de uma forma gémea e vinha esborrachar-se ao pé da outra, tantas e tão seguidas eram elas que quase não se via o pavimento da A1, era a ideia de que estando simples e imovelmente num lugar, a olhar para o ecrã do computador, não diferia de estar em rota entre dois lugares, ali sentado, a olhar para o rectângulo envidraçado do para-brisas a ver sucederem-se paisagens, figuras, veículos em movimento, outdoors, letreiros, sinalização, ...


Eis o que me estava a acontecer: tive uma epifania.

Cada vez mais, a única maneira de estar é sentado a olhar. Sentado no sofá ou na mesa da sala de jantar a olhar para a televisão, sentado na cadeira de rodinhas (salvo seja!) a ver o ecrã do computador ou a consola de jogos, sentado a conduzir a olhar para a estrada, sentado no teatro ou no cinema a olhar para o palco, sentado no banco de jardim a olhar para os namorados ou para os patinhos do lago. Enfim: sentado e a olhar!

Então lembrei-me de um assunto interessante para um post neste blogue. É o que eu irei publicar numa próxima oportunidade.

(Fotografia de D. Indias)

5 Comentários:

At 26/01/10, 17:48, Blogger Rosa dos Ventos comentou...

E o que é que achas que o Rodrigo dirá?
E o que é feito da Patanisca?
Desculpa mas, mesmo vivendo à beira da A1, sinto-me "perdida"...

Abraço

 
At 27/01/10, 18:22, Blogger Justine comentou...

Neste momento dá-me muito mais jeito ficar esticada no sofá...de modo que é assim que ficarei à espera do teu novo post:))))

 
At 28/01/10, 03:39, Anonymous Anónimo comentou...

Vêem-se já as pequenas promessas
nos botões dos troncos.
A estrada é só uma passagem, mais breve no sentido da ida!
Abçs da bettips

 
At 30/01/10, 23:58, Blogger Alberto Oliveira comentou...

Pelo que conheço do Rodrigo diria que ele não será homem de estar sentado num único e exclusivo sítio. Mas isto é apenas um "supônhamos".
No que a mim se refere, entre um ponto e outro, o ir e o vir, ou o vir e ir, prefiro o ponto dito de onde se encontra a virtude: o do meio. Ou seja, em Vila Franca de Xira a comer umas belas dumas enguias fritas. Sentado, de preferência.

 
At 31/01/10, 22:51, Blogger bettips comentou...

Ah...enguias deslizantes pelos pratos adentro! Quantas palavras, quantas pontes e quantas gentes enguiando.
Que trabalheira, meu caro, nem te sabia assim perene como as japoneiras: os cromos meus por vezes saem de rajada, andam por aqui em papelitos: depois, é conforme a nostalgia.
Igreja de S. Gens, Boelhe (está lá escrito), perto de Penafiel.
Quanto a Lord Nelson, parodiando-me a mim e saltando de para de, milhentas memórias: a praça é Trafalgar Sq., em Londres onde impera o tal "de lord" Nelson (e também tem escrito nas "labels" quando quero dizer o lugar de).
E vai daí a tal ponte de pensar coisas de enfiada.
Mas Londres, ah Londres... a minha cidade (contando que pudesse vir de férias CÁ, ao solzinho). Pergunta ao Rodrigo que ele é mais "pé-de-vento"...
Por isso gosto de blogs: a gente diz o que lhe dá na gana real e tanto estamos em Penafiel como na fielpena de não ter ficado por lá.
Bjinhos

 

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