3 de janeiro de 2010

Mudanças de ano e virtudes ateologais


A Cristandade usou, com raras excepções, o 25 de Dezembro como o dia de início de cada novo "anno domini". Esse início foi fixado definitivamente, em 1582, com a reforma gregoriana do calendário, no 1º de Janeiro. Não vem aqui a propósito fazer a história dos calendários ou explicitar as razões das suas reformas. Digamos, apenas, que o mundo cristão adoptou o calendário romano, sobrepondo-lhe as reformas juliana e gregoriana, e baseou a origem da numeração dos anos e dos séculos no suposto, mas errado, ano de nascimento de Cristo.

O tempo é medido como se se tratasse de um movimento contínuo de esferas ou ciclos, os anos e os dias, que eternamente perecem e renascem. É fácil definir um ponto origem do dia, por exemplo o pôr do sol como acontece no calendário muçulmano. Com a origem do ano passa-se a mesma coisa de acordo com um critério que é análogo e usado há muito tempo: a origem está na sombra, na escuridão, na morte, que precedem a alvorada, a luz diurna, o renascimento. Provavelmente, o mais recuado nascer do ano foi o Solstício do Inverno, o dia do renascer do "Sol Invictus", posteriormente rebaptizado como Natal cristão, período incerto que desliza até ao Dia de Reis - o dia das prendas como é hábito na vizinha Espanha, dia que remata aquilo a que se chama a quadra natalícia e a que eu, por falta de qualquer sentimento ou nostalgia cristã, prefiro chamar a quadra solsticial.

A mudança do ano é uma oportunidade para avaliar e julgar o passado, e para optar entre as possibilidades que o futuro nos oferece. Tanto individual como colectivamente. É esse o sentido do renascimento.

Muitos de nós estamos de acordo que a década que passou é para esquecer. Ficará talvez conhecida como a década da globalização, mas na substância foi a década da imbecilidade, da ganância, do fanatismo, do obscurantismo e da prepotência. O termo crise deve ser generalizado para além das suas origens no financeiro, económico, social e político. A crise que a caracterizou foi também ela global.

Num momento de mudança, desejo o renascimento de três virtudes, a que chamo de ateologais pois sou ateu: a Fé, a Esperança e o Amor.

A Fé, enquanto adesão e fidelidade à Razão.
A Esperança, ou o reconhecimento da capacidade de mudança inerente ao ser humano.
O Amor, como sentido da Terra: a re-ligação da Humanidade à Natureza e a de cada Homem à Humanidade.

Paz na Terra aos homens de Boa Vontade!