24 de janeiro de 2010

il tempo vola

O tempo continua chocho, não está nem para cá, nem para lá. Com pouco a fazer no exterior, além de podar as roseiras e retirar dos canteiros do jardim a erva que se foi acumulando, de limpar os caminhos das folhas caídas e ramos partidos, resta ficar em casa. Ficar em casa e vedar as portas e as janelas para evitar a fuga da radiação pela transparência das vidraças. Que o tempo continua frio e custa muito andar para cá e para lá com as botijas do gás. Acusa o higrómetro humidades próximas dos cem por cento. Um pouco menos em casa, extraída à custa do desumidificadores. Quando está chuvoso, andar lá fora é trazer para dentro lama agarrada às botas. Pôr e tirar botas que ficam guardadas dentro para não se molharem. O exterior é sempre algo que nos fica nas costas; à nossa frente, estendendo-se por cima do ecrã do computador de secretária, um espaço vazio que termina numa parede onde param os nossos olhos. Essa parede pode ser um outro ecrã onde se projectam as nossas fantasias. Uma versão psicanalítica da caverna platónica. É o que dá ficar em casa: presta-se muito à criação de hipostases derivadas dos nossos fantasmas internos. No ecrã do computador sobrevivem outras projecções, talvez fosse mais correcto dizer introjecções, não completamente expurgadas de vírus e troianos, que se aninham naquele olho interior que trazemos dentro do cérebro e que se liga com userid e password ao router, que encaminha, como o próprio nome diz, aquelas fiadas de bits, uns em estado on, outros em estado off, como é próprio da sua natureza binária. E é por essas correntezas de dígitos binários, alinhados segundo a mais estrita lógica booleana, que nos enlaçamos nos braços uns dos outros nesta extensa teia que suporta o fio precário das nossas existências virtuais. Carrega-se no botão e, em menos tempo que leva uma entidade maléfica a esfregar o olho, tudo se esvai: a rede social, a solidariedade virtual, a pose com que afivelamos as nossas máscaras. Fica a solidão, o baço da luminosidade exterior, o pingar incessante dos beirais, a saudade de ter um corpo que é o melhor que a natureza nos oferece no tempo ameno.