17 de dezembro de 2009

Conversando com o espelho

Não tenho o jeito do meu gémeo para estas coisas: encher o ecrã de frivolidades e dispensá-lo para os meus amigos o lerem. Ele lá anda pela costa Oeste, mais a Patanisca e a patanisquinha, a viver a sua nova juventude; eu, distribuído entre um sítio maravilhoso e a Lisboa poluída, com a Graça e o Dani, a arrumar o resto dos meus dias numa existência desalienada e dolorosa, a compor as minhas memórias e a organizar os escritos do Rodrigo.

Toda a gente experimentou já organizar os escritos do Rodrigo, mas o esforço não tem sido mais que incipiente. É como tentar encher com água um saco de plástico roto. Dizer que não tem ponta por onde se lhe pegue é para ser entendido no seu sentido literal. É frequente encontrar duas páginas de papel amarelecido escritas a lápis, começar a lê-las e continuar com um entusiasmo crescente à procura de uma explicação e.... zás! Rodrigo remata o texto com um "já escrevi sobre isto noutro lugar" e fica-se por aí honrando a sua máxima preferida: "o mestre sugere pistas, mas não cria o caminho dos discípulos". Se der para, num desabafo, dizer "isto está um caos", por certo Rodrigo remataria com orgulho: "estás no bom caminho para te tornares um criador; encontra, pois, o teu caos".

Seguindo as opções iniciais do Gervásio, decidi manter a unidade dos seus escritos "filosóficos" (como o Rodrigo detesta esta palavra!) sob o epíteto de "O Lugar e os Monos". A obra teria três partes para corresponder ao fundamental do seu pensamento mas só as duas primeiras estão recobertas por escritos mais ou menos estruturados:

A primeira refere-se ao "lugar-corpo"; a segunda, à crítica da Metafísica e do supranatural; a terceira, ao novo paradigma "naturalista" da cultura. Considero esta última parte muito difícil de entender porque muitos dos escritos encontrados parecem apontar para sentidos contraditórios. É difícil, também, encontrar uma ordem cronológica na medida em que nenhum deles está datado. Se ao menos tivesse o hábito de escrever no computador!


Têm caído montanhas de geada sobre o Tremontelo, deixando os jardins cobertos de folhas queimadas, cozidas, meio apodrecidas. Espectáculo de morte e desolação. Os gatos migraram para o país onde o Sol nunca se põe. Está um frio de rachar. O músculo que ainda se agarra aos ossos repica todo o dia o dobre a dores e a cansaço do corpo. O sono percorre as minhas horas. Acantono-me no pequeno espaço do computador, enrolado em cobertores e em aquecimentos a gás, a folhear centenas de páginas manuscritas digitalizadas. É hora de descascar batata e cebola para o caldo verde. Tenho ali um enorme alguidar de plástico vermelho repleto de folhas de couve galega para lavar e cortar à maneira.

2 Comentários:

At 01/01/10, 18:38, Blogger Justine comentou...

Já fizeste o caldo verde? Eu com o frio nem para isso me mexo. Se pudesse, hibernava o inverno todo, só acordava em Março...
E sobre os escritos do Rodrigo, se os puseres em frente do espelho são capaz de ficarem mais legíveis...:))
Abraço

 
At 16/01/10, 17:12, Blogger Alberto Oliveira comentou...

... mais legíveis?!

 

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