28 de setembro de 2008

Perdido, os amigos e eu.

Têm-me chamado a atenção, aqui no meu site do Multiply (“Vale de Moinhos”), para a confusão, provocada pela diversidade de pessoas subscritoras do blogue, que se tem vindo a estabelecer no espírito dos seus visitantes.

A confusão parece inevitável e, por isso, merece explicação. Mas, permita-se-me também um comentário prévio: no Tremontelo, distinguimos pelo nome cada um dos catorze gatos que assiduamente nos visitam; aqui, somos apenas quatro - eu, o Rodrigo e os dois Leonéis. A confusão, se houver há-de ser de pequena monta.

Embora a explicação se pretenda breve, o poste irá alongar-se. A ocasião é única para apresentar cada pessoa e as circunstâncias e os motivos as uniram.

Adquiri um terreno em Vale de Moinhos há cerca de dez anos. Daí para cá, tenho-o transformado em horta e jardim e construí uma habitação. Para guardar e comunicar as memórias dos meus fins de semana, inaugurei, em Fevereiro de 2006 no Blogspot, o blogue “O Tremontelo” destinado a um grupo restrito de familiares e amigos.

O Rodrigo ajudou-me a construir o site (é ele o informático) e pouco a pouco foi metendo também a colherada a ponto de o site tornar-se exclusivamente dele, o site do “Perdido”, sua alcunha. Entretanto o Rodrigo, de acordo com o seu estilo, encheu o site de assuntos alheios ao seu propósito editorial inicial. Apareceram questões filosóficas e teológicas, poemas filosóficos, estórias, comentários políticos e de ocasião. Tudo bem. Mas forçou-me a clarificar a minha posição junto do Rodrigo: ele que ficasse com o site na condição de lhe manter o espírito inicial ( o Sítio do Tremontelo e os seus bichos) e criasse outro ou outros sites para publicar. Do meu lado, e por sugestão insistente da minha amiga Maria Carvalhosa passei-me com armas e bagagens para este site no Multiply que utilizo principalmente para publicar fotografias da flora e fauna do Sítio do Tremontelo em Vale de Moinhos e divulgar as minhas músicas preferidas. Comprometi-me entretanto a espelhar aqui, no “Vale de Moinhos”, os postais expedidos n’”O Tremontelo” por mim e pelo Rodrigo, mas sobretudo pelo Rodrigo. Ambos partilhamos e-mails e chaves de acesso e a identificação, sendo automática, não nos distingue. Entretanto, houve uma ocasião em que o Rodrigo (para variar) decidiu ir dar a sua “voltinha” e pediu ao Gervásio que reestruturasse e realimentasse o blogue O Tremontelo na sua ausência. Assim apareceu (e desapareceu, como todos sabem) o primeiro dos Leoneis. Na sua segunda fuga, e desaparecido o Gervásio, o Rodrigo convidou a sobrinha, sua amiga muito íntima, para o substituir.

Dada a explicação, passemos à apresentação.

O Capitão Leonel já não o conheci vivo. Vi-o depositado no féretro na sua farda impecável, rodeado de jovens oficiais de luvas de pelica preta e cinto de cerimónia vermelho e suspensão de espada a emoldurar os dólmans dos uniformes. Mantinha um ar de tranquilo repouso. No cemitério respiravam-se os prazeres - a ausência do estresse os proporciona - que lhe deram o nome. A presença do Tejo a banhar Alcântara; os ares puros do Parque Florestal do Monsanto a poente e, logo ali, da Tapada das Necessidades; Campo de Ourique e a Lapa nas costas.

Junto ao Rodrigo estava um rapagão enorme que segurava uma criança ao colo. Eram os outros Leonéis. O Gervásio, assim se chamava o rapaz que se distinguia pelas suas dimensões, era o irmão do defunto capitão Leonel. A menina, a Teresa Sofia, era a filha do defunto. Entre o Gervásio e o Rodrigo adivinhava-se uma cumplicidade nascente, embora se tivessem conhecido apenas naquela fúnebre ocasião. Várias vezes presenciei a Teresa a mudar de colo e a anichar-se nos braços do Rodrigo numa união que perdura desde esse dia até hoje. Agora é uma mulher feita, de porte aristocrático e de uma sensualidade excitada e arrebatadora. Inteligente, culta e activa passeia-se entre as capitais da elegância. No trabalho e no lazer, vista a farda ou roupa prática de escasso pano, desiquilibra os propósitos de qualquer homem casado e responsavelmente cumpridor dos seus votos de fidelidade. É a Teresa do olho azul, a “Patanisca Sardenta”, alcunha que lhe pôs o Rodrigo motivada pela heterogénea dispersão dos pigmentos da cara que lhe dão um ar atravessado e maroto.

Eu estava ali porque fora a acompanhar o meu inseparável Rodrigo. O Rodrigo conhecera o Leonel na guerra colonial em Angola. Tinha sido alferes num batalhão de infantaria na Zona Leste e o Leonel, que era oficial de carreira, fora o seu comandante de Companhia. Passaram as passas do Algarve em África e partilharam silenciosamente uma procissão de tormentas. No quadro da sua incorporação na Cheret (Chefia do Serviço de Reconhecimento das Transmissões) e na 5ª Rep, órgãos da secreta militar, estiveram infiltrados num campo de treinos líbio de organizações revolucionárias e de movimentos de libertação de todo o mundo; como oficiais de ligação com as tropas da FNLC aboletadas nos quarteis portugueses da Lunda, conduziram operações secretas de infiltração de tropas cantanguesas na Zâmbia e na zona mineira do Zaire, quer a perseguir movimentações de guerrilheiros do ELNA ou do MPLA, quer a aliciar partidários de Tchombé simpatizantes da libertação do Shaba. Simultâneamente participavam em reuniões secretas do crescente movimento dos capitães que viria dar origem ao MFA e ao 25 de Abril. Participaram juntos em muitas operações. Noutros momentos, marchava apenas o Rodrigo que reportava ao Leonel. Celebrizou-se a assinatura das suas comunicações: “Perdu. Ailleurs au Congo.”

No fim da comissão, regressaram ambos ao Puto. O Rodrigo passou à peluda e o Leonel continuou a vida militar no Estado Maior em Lisboa. Passados 9 meses, nasceu a Patanisca de parto complicado. A mãe sobreviveu estoicamente até ouvir o choro angustiado e premonitório da bebé.

Na brincadeira costumamos dizer que a Patanisca tem um pai natural e duas mães adoptivas: o Rodrigo e o Gervásio (o tio Gerbas como afectuosamente o apelida). A miúda retribui com redobrado afecto: mais do que filha tem vindo a comportar-se como mãe dos dois infatigáveis solteirões e ronda à sua volta, birrenta de cíume, quando pressente acercarem-se outras fêmeas.

O Leonel faleceu dois anos depois, em pleno PREC, vítima de “doença prolongada”, e foi a sepultar no Cemitério dos Prazeres. O irmão único, o Gervásio, era enorme, com ares abrutalhados, mas extraordinariamente sensivel e gentil. Jovem da velha escola e consciente dos pergaminhos da família com casas apalaçadas e quintas escritas com “V”, ali para as zonas de Belas e de Monserrate, só não poderia ser apelidado de “oficial e cavalheiro” por nunca ter andado na tropa. Monárquico e com a mania das genealogias dedica ainda grande parte do seu tempo na recolha de dados etnográficos e folclóricos que, pretende, testemunham a “alma” do Povo-Nação. As suas teorias sobre a monarquia exasperam o Rodrigo que é antiteísta e republicano irredutível. Fez o MBA no INSEAD e vive dos rendimentos da sua empresa de gestão de eventos culturais e dos seus bens patrimoniais.

A Patanisca viveu a sua adolescência em colégios na Suiça, “afastada do mar e dos seus dois ursinhos de peluche”. Sonhou sempre em trazer o mar para os vale alpinos. Teimou e fez engenharia hidráulica. Não derreteu as neves dos cumes suíços, que lhe seria possível só pela fogosidade do seu temperamento latino, mas contribuíu para a formação das extensas massas de água no sul do deserto líbio, depois de ter sido apresentada pelo Rodrigo ao Coronel Moammar Ghadafi.

Quem é o Rodrigo, este estranho 007 a anunciar-se “Rodrigues... Rodrigo Rodrigues”?

Pensa muita gente que o Rodrigo é um alter ego da minha pessoa funcionando como “heterónimo” para camuflar os meus escritos. Asseguro que não é verdade e previno-vos que a verdade é bem mais fabulosamente espantosa.

Um indício é o facto de assinarmos arbitrariamente alguns escritos do outro, o que é verdade, mas a razão disso já foi acima explicada. Mas um indício muito mais sério é o facto do estilo de escrita e de pensamento evidenciar demasiadas parecenças para ser mera coincidência. Assim é e asseguro-vos que não é a única coisa que temos em comum, o que inclui as histórias idênticas das nossas vidas até ao regresso de África, quase sempre paralelas.

Eu e o Rodrigo somos irmãos.

Crescemos juntos. Eu era o mais pragmático; o Rodrigo, sempre meditativo. Eu tomava a maior parte das decisões e orientava-nos no espaço e no tempo; o Rodrigo ficava com o espírito livre para as suas congeminações. E quando começámos a andar cada um para seu lado, o Rodrigo perdia-se com frequência devido à sua falta de referências. Sem mim, o Rodrigo andava quase sempre perdido.

A dolorosa experiência das suas perdas ajudou-o a crescer. Dizia-me: “Mano, perdido por um, perdido por mil. Vou aprender a encontrar-me por mim próprio.

Fez-se sozinho a si próprio. Mudou por isso de apelido adoptando o patronímico do seu nome próprio, Rodrigues. Considera-se filho de si próprio, Rodrigo Rodrigues.

Quando chegou à altura das grandes opções seguiu para a Faculdade de Letras de Lisboa a tirar Filosofia. Ninguem sabe se frequentou alguma cadeira, o certo é que mudou quatro anos mais tarde para a Rua da Escola Politécnica, primeiro a tirar Matemática e depois Biologia. Não concluíu nenhum. Finalmente, lá tirou Informática de Gestão e foi trabalhar para várias empresas multinacionais de consultoria fazendo carreira como estratega e arquitecto de sistemas de informação. Há cerca de uma ano e meio despediu-se para dar livre curso à sua inspiração. Move-se entre o Sítio do Tremontelo e o deserto magrebino.

O Rodrigo teve um impacto decisivo na minha formação: ajudou-me a compreender e a apreciar os bens da cultura, a pensar com parcimónia e elegância, a colocar correctamente os problemas, a introduzir o método na pesquisa das soluções, a preparar a receptividade do auditório.

Somos gémeos muito complementares.

Rui

7 Comentários:

At 29/09/08, 08:40, Blogger Licínia Quitério comentou...

Até que enfim veio a explicação desejada. É que eu andava sem saber a quais destes senhores (e senhora) haveria de agradecer as amáveis palavras que deixam lá pelos meus Sítios.
Embora de maneira pouco ortodoxa, o meu Outro Sítio já pode ser comentado:))

Foi um prazer ler-te.

Um beijinho, Rui.

 
At 29/09/08, 11:23, Blogger poetaeusou . . . comentou...

*
que grande enredo,
ou será a enciclopédia,
hehe
,
recordei, Bijagós . . .
senti aquele arrepio,
,
abraço
,
*

 
At 29/09/08, 11:49, Blogger dona tela comentou...

Uma semana muito fixe para si.

 
At 29/09/08, 14:36, Blogger Justine comentou...

O teu comentário no meu sítio despertou-me a atenção, e aqui vim espreitar, agradecer e retribuir.
Mas confesso-me totalmente confusa com esta história um pouco alucinada...:))
Quem é quem, afinal? Que blogs são de quem?? Se calhar não interessa nada...
Vou voltar para ler outros posts e tentar, se possível, conhecer-te.

 
At 29/09/08, 14:37, Blogger Teresa Durães comentou...

xiii... genelogia completa. Rodrigo Rodrigues, Rui e o capitão que já não o é. como se distingue nos comentários? ehehehe

 
At 01/10/08, 18:28, Blogger Rosa dos Ventos comentou...

Caro Perdido, Rodrigo ou não?
Não estou habituada a tanta informação ao mesmo tempo, por isso terei que reler este post algumas vezes... :-))
Pela visita que me fizeste vi que já tinhas regressado e na tua ausência a bela Patanisca fez o favor de me visitar e até se meteu comigo, comparando-me contigo a propósito da minha tendência para falar do passado.
Fiquei de tal forma vacinada que tenho feito os possíveis para não voltar lá, ao passado, o que é muito difícil.
Contudo vou encetar novas abordagens do dito cujo... :-))

Abraço

 
At 03/10/08, 20:43, Blogger Graça Brites comentou...

Ena...eu continuo um tanto perdida. Mesmo com a short biography da tropa toda, não era má ideia fazeres uma árvore genealógica. Vá lá...um esquemazito. :)

 

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