31 de março de 2008

Viajando numa 15K-88

Aquela primeira noite foi um começo, um arranque, metade esforço sofrido de principiante, metade prazer deleitoso de iniciado. Pouco mais havia que ver ou fazer. O manual reportava-se à classe 15 das máquinas Singer e não àquela especificamente. Havia pormenores que não encaixavam na máquina, umas peças a mais, outras a menos. A progressão das aprendizagens deveria de ser garantida, segura, controlada, progressiva, cumulativa. Enfim: disciplinada e profissional.

Quando voltei para Lisboa, tomei nota do número de série, baixei a máquina e fechei o móvel.

Na net fiz uma aturada pesquisa, seguindo um plano de busca antecipadamente traçado, que acabou coroada de sucesso.

Havia estipulado que o primeiro objectivo seria descobrir a marca na profusão de marcas lançadas no âmbito da classe modelo n.º 15. Através do número de série, soube que a mesma havia sido registada em 9 de Outubro de 1935 na fábrica de Kilbowie Clydebank, na Escócia. Esta informação, que pouco contribuía para a compreensão do seu mecanismo, era de importância genética crucial. Não só confirmava o 15 como classe de pertença, como permitia comparações com outras máquinas parentes apresentadas na net em blogues, leilões e fora. A data é crucial para estabelecer pequenas modificações, melhorias, reconhecer a sua notoriedade e estimar o seu valor coleccionista actual. É como estabelecer o grau de inbreeding entre parentes próximos para estimar o risco de uma patologia recessiva.

Mais tarde, descobri que aquela data situava-se no intervalo em que foram lançadas as 15K-88 e 15K-89. A destrinça era fácil: a 89 era uma variante portátil que, em vez de pedal, tinha um punho manual com que se fazia rodar o volante.

As pesquisas seguintes levaram-me a uma biblioteca digital do Smithsonian onde encontrei o manual específico da 15-88 que copiei, imprimi e encadernei com amor como se se tratasse de uma obra de arte.

Levaram-me também a revisitar o Smithsonian Castle no início do National Mall, à direita do monumento a Washington e quase em frente à White House, num recuo de 10 anos. Estava instalado em Arlington e à tardinha atravessava o Potomac de metro para visitar o centro JFK ou passear nos Constitution Gardens onde, com frequência, assistia a concertos dados por bandas militares a uma incontável assistência informalmente sentada nos relvados. Ali, pela primeira vez, ouvi conscientemente John Philip Sousa. Outras vezes ficava em Arlington a cirandar pelas catacumbas da cidade à cata de livros baratos, ou ia ao Cemitério Nacional ou rondava o Pentágono, nunca lhe chegando perto que isto de ter cara de árabe saudita, apesar de ser em 98, já não era carta de apresentação que se apresentasse na América. Não conto a história de como fiquei retido à entrada no terminal do aeroporto Ronald Reagan que isso dava enredo para novo filme.

Com o manual da 15-88 dava por concluída a primeira fase das minhas investigações que tão lonje me conduziram, no espaço e no tempo. Porque a memória é o lugar de todos os lugares.

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1 Comentários:

At 03/04/08, 17:20, Anonymous Anónimo comentou...

Yuri, que bom ver o tremontelo novamente em flor.
Beijo,
lua moura

 

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