31 de julho de 2007

Volta a ser notícia o Sítio do Tremontelo

O Sítio do Tremontelo teve baptismo com pompa e circunstância. Mais a circunstância do que a pompa porque os tempos não estão para esbanjar. Não deu lugar ao descerramento de uma lápide, mas à afixação com cimento-cola de um painel de 6 lindíssimos azulejos. Digo lindíssimos com alguma vaidade, porque a sua execução corresponde exactamente à ideia que fiz deles. Mas vamos por partes, à boa maneira metódica como nos ensinou Descartes (que nessa matéria não errou), porque se estão a acumular num único parágrafo uma diversidade de assuntos.

Quem seguiu com alguma atenção os espécimes plantados nos canteiros deste hortículo blog, por certo topou que há cerca de oito anos descobri um pequeno canto no mundo, completamente desprezado e com ar miserando, que decidi pôr sob a minha protecção e cuidados. Como acontece em todas as histórias de amor, o sedutor virou seduzido.

Hoje, esse terreno tem uma vida própria, já não depende da minha vida. Pelo contrário, a minha vida depende dele.

Sendo um recanto de isolamento, é um recanto de encontros. Tenho lá amigos muitos; ele são gatos, melros, lagartos, cartaxos, cucos, picapaus, cobras, saca-rabos, ouriços, coelhos, perdizes, uma rã, muitos peixinhos e, recentemente, uma poupa. Tudo selvagem, nada de capoeira. Gatos, então, são uma sucessão de figurões com personalidade vincada, com quem tenho conversas apaixonadas, principalmente com o Tigre, um estudioso dos bípedes humanos, muito interessado em conhecer, e sobretudo em compreender, quer a linguagem falada, quer a mente humana e os seus construtos.

Quando regresso à grande cidade vejo os meus concidadãos com outro olhar; melhor, com um olhar outro. Ideologias, mitos, estereótipos, hábitos, condicionamentos, é tudo peneirado no crivo da crítica felina. Seria "cínica", se a atitude crítica fosse canina; chamei-lhe ailúrica, termo que cunhei com base em "ailuros" que, em grego, significa "gato" (ver o post "A companheira").

Tornei-me, portante, um filósofo ailúrico, um amante da sabedoria que a pretende encontrar através dos olhar de um gato.

Esta é a magia do meu cantinho; ou parte dela.Tem um pequeno montado de sobro, que cuido afincadamente para o livrar da roseira brava, silvas ou vinha. Resultado do labor, há esparsos recantos de jardim e de horta. Tudo biológico. Começa a aparecer, numa excrescência de terreno, um pequeno pinhal em torno do único pinheiro inicialmente existente. Aí perto um pequeno lago com 60 metros quadrados de superfície e a profundidade máxima de um metro onde se desenvolvem nenúfares e caniço do Tejo. É o lar da rã e dos peixes. Estes descendem de um triplo casal adquirido no Horto do Campo Grande, que aí encontraram paz de espírito e alimento para ocupar os tempos vagos em loucas folias amorosas e ocupar cada palmo da água esverdeada com uma mão cheia de descendentes. Não lhes disse "crescei e multiplicai-vos", eles é que entenderam fazer o que mais lhe aprouve. E pelos vistos fizeram-no bem. Um caminho de terra batida serpenteia o interior do terreno: à sombra do arvoredo devém um passeio romântico; no meio do descampado, a "estrada", interrompida a meio com a rotunda de cedros; o conjunto, uma pista de atletismo, mais idealizada que concretizada. Recentemente, o meu filho cadete, que vai fazer quinze anos, acrescentou-lhe uma pista de "dirt jumping", com obstáculos para pôr à prova a resistência da "byke", do seu físico e dos meus nervos.

Depois dos verdes, do lago e dos caminhos, há as propriamente ditas construções. Desde o início, uma pequena casa de 18 metros quadrados, que foi de apoio à agricultura e que agora converti no meu "escritório", uma habitáculo com ferramentas, onde me dedico às actividades de carpinteiro, pedreiro, pintor, electricista, canalizador, etc. Os equipamentos e materiais maiores estão desarrumados no contentor, um gigante de aço corrompido pelo oxigénio e comprado ali para as bandas de Santa Apolónia. Este tem uma história interessante, mas isso são tostões para outro negócio. O furo foi feito há quatro anos e fornece a água para as regas. Finalmente a casa e os muros exteriores, para aí com três anos, que permitiram a fixação no lugar e uma espaçosa cozinha, onde treino as minhas recentemente descobertas perícias de chefe.

Não vou recontar em micro-ondas a história do tremontelo, o tal tomilho selvagem que deu o nome a este "site". Mas andando à cata de nome, veio-nos à ideia de que sítio do tremontelo era nome adequado à finalidade. "Tremontelo", não há que demonstrá-lo pois sobram razões para tal. "Sítio", para além de aparentado com o termo inglês "site", de ascendência francesa, e que se refere ao blog, é também a designação que os brasileiros dão às pequenas quintinhas mantidas no interior, em que os citadinos se refugiam sempre que podem. Evoca-me saudosamente a série da Globo do sítio do pica-pau amarelo, com a Tia Nastácia, a Narizinho, a Emília, Dona Benta Encerrabodes de Oliveira, o Pedrinho, o Visconde de Sabugosa, o Lobisomem, o Saci, a Mula sem cabeça, Boitatá, a Cuca, o Anjinho, o Rabicó e espero não me esquecer de ninguém.

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5 Comentários:

At 02/08/07, 16:06, Blogger C. comentou...

Voltarei mais tarde para comentar este texto. para já queria dizer-te que te deixei um desafio nos frémitos.

Bjs

 
At 03/08/07, 03:30, Blogger Maria Carvalhosa comentou...

Muito bonita a descrição deste teu sítio. Particularmente deliciosa é a forma afectuosa com que falas dele, sem lamechiches, que sei que disso não gostas... amor, isso sim.
Deve dar uma grande satisfação, um genuíno sentimento de realização, fazer de um descampado "sem rei nem roque", um lugar de bem-estar e afecto: o "nosso lugar". Parabéns ao dono do Sítio do Tremontelo, pelo que dele fez (e a ele se fez) e por partilhar com os blogoesféricos amigos este seu enamoramento. Parabéns, também, pelo painel de azulejos, que está tão bonito quanto seria de esperar de quem o idealizou... e mais não digo.

Um beijo terno e afectuoso (sem lamechiches!)

 
At 03/08/07, 12:43, Anonymous Anónimo comentou...

Não sou fã de azulejos, confesso, mas gostei destes. E é mesmo bonita a forma como falas do teu sítio.
Penso nisso, em ter um "sítio", mas esse é mais um dos muitos planos a longo prazo.
:)ht

 
At 05/08/07, 15:31, Blogger Menina Marota comentou...

Sou uma apaixonada por azulejos... aliás o nº. do meu apartamento até está em azulejo, e tenho uma paixão "louca" por azulejos antigo... tenho um quadro, para mandar fazer em azulejos, que descobri num antiquário e pertenciam a uma casa senhorial, que os descendentes preferiram vender para dar lugar a um condomínio fechado.

Sobre o teu texto, "vivi-o" passinho a passinho, senti-o como se lá estivesse nesse teu Sítio, que vejo será uma das tuas paixões.

Parabéns. Pelo texto e pelo Sítio.

Um abraço e continuação de bom domingo ;))

 
At 09/08/07, 03:23, Anonymous Anónimo comentou...

Adorei o modo como descreveste o teu Sítio, quiçá mais mágico que o do Pica-Pau Amarelo.
Conseguiste transportar-me para lá... senti estar in loco, observando tudo...
Fica com um beijo meu, "Sabiá".
:-) lua moura

 

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