As máquinas e, em particular, as máquinas virtuais.
Dizer que há mil e uma maneiras de descrever uma máquina é limitar grosseiramente a questão, pois cada pessoa tem a sua maneira de entender o que é uma máquina e algumas, um número ainda muito razoável, têm mais do que uma maneira.Seja qual for a subtileza de cada um, quando se fala de máquinas as pessoas entendem. Por outras palavras: há sempre um mínimo de compreensão partilhada a respeito do que vem a ser uma máquina, um consenso se tal ou tal objecto é um exemplar de máquina.
Para identificar o conteúdo que as pessoas atribuem às palavras, costumo analisar, quando as encontro, expressões que as pessoas usam com sentido vago e pendor metafórico. Por exemplo, toda a gente percebe o que quer dizer "Fulano é uma máquina". Eu acho - corrijam-me se virem que estou enganado - que não é normal as pessoas serem máquinas e dai a excepcionalidade de Fulano. As pessoas não são, geralmente, máquinas porque há uma propriedades que distinguem as pessoas das máquinas: as máquinas são exactas, rigorosas e fiáveis no seu modo habitual de funcionar; pelo contrário, as pessoas têm comportamentos dúbios, vacilantes e imprevisíveis. Admitimos sem pestanejar que errar é humano. Dizer que "Fulano é uma máquina é admitir que Fulano tende a ter um comportamento, pelo menos, que é exacto, rigoroso e fiável e de alta eficácia.
Retemos desta conversa um achado interessante sobre as propriedades das máquinas. A máquina funciona de uma maneira precisa para obter um resultado preciso. Devemos, todavia, mencionar aqui, à cautela, um aspecto que desenvolveremos mais tarde: a máquina tem os seus limites. Ocorrem-me para já três deles: a má concepção, o mau uso e o desgaste devido ao uso prolongado.
O micro-ondas, o fogão eléctrico, o frigorífico e o exaustor são máquinas. Estão ali ao fundo, na cozinha, disponíveis para que eu me sirva delas. Há as máquinas que me fazem falta: as de lavar roupa ou loiça, por exemplo. Há outras menos óbvias, dispostas na mesinha ao meu lado: o relógio, a chave do carro, o telemóvel, o telecomando da televisão que está atrás de mim. E, claro, o iPad que tenho nas mãos.
Pomos qualquer coisa na máquina e essa qualquer coisa sai de lá transformada. Em linguagem de cão, diz-se que uma máquina transforma um input num output. Ponho água morna no frigorífico e, passado algum tempo, a água que retiro de lá está fria.
Pomos qualquer coisa na máquina e essa qualquer coisa sai de lá transformada. Em linguagem de cão, diz-se que uma máquina transforma um input num output. Ponho água morna no frigorífico e, passado algum tempo, a água que retiro de lá está fria.
As máquinas que mencionei são entidades físicas produzidas pelo ser humano, pelo homo faber, por isso realidades materiais de um tipo especial que designamos de artefactos. É habitual distinguirmos as coisas naturais (que provêm da natureza, que "nascem") das coisas artificiais (que provêm do artifício humano, que são fabricadas). Uma máquina, nestes termos, é uma entidade material produzida pela arte humana e concebida de maneira a transformar um input num output com valor acrescido para o seu utilizador. Uma máquina é uma função de transformação geradora de valor ou, dito por palavras mais simples, uma máquina serve para qualquer coisa. A geringonça, o mono e o paspalho são arremedos de máquina que não geram valor, que não têm serventia.
Apesar de tudo o que fica para trás dito, gostamos de descrever coisas naturais como se fossem máquinas. Um caso frequente ocorre na descrição dos órgãos dos seres vivos. Um órgão faz qualquer coisa, serve para qualquer coisa, comporta-se como se fosse uma máquina. O coração é uma bomba aspirante-premente, um fígado é um filtro, umas asas servem para voar.
Uma vez que reconhecemos a ocorrência de máquinas na natureza, não podemos voltar a insistir na ideia de que só as entidades materiais artificiais são máquinas. Os seres vivos desenvolvem órgãos cujo correcto funcionamento em bom estado de conservação opera transformações de valor para a totalidade do organismo, para o indivíduo vivente. Há máquinas inertes produtos da engenharia humana e máquinas vivas produtos da evolução natural. A engenharia, quer a dos artefactos, quer a dos produtos naturais, é um processo lento, sem autor, que resulta da acumulação de pequenos aperfeiçoamentos casuais pressionados pela necessidade e seleccionados pelo contexto.
Apesar de tudo o que fica para trás dito, gostamos de descrever coisas naturais como se fossem máquinas. Um caso frequente ocorre na descrição dos órgãos dos seres vivos. Um órgão faz qualquer coisa, serve para qualquer coisa, comporta-se como se fosse uma máquina. O coração é uma bomba aspirante-premente, um fígado é um filtro, umas asas servem para voar.
Uma vez que reconhecemos a ocorrência de máquinas na natureza, não podemos voltar a insistir na ideia de que só as entidades materiais artificiais são máquinas. Os seres vivos desenvolvem órgãos cujo correcto funcionamento em bom estado de conservação opera transformações de valor para a totalidade do organismo, para o indivíduo vivente. Há máquinas inertes produtos da engenharia humana e máquinas vivas produtos da evolução natural. A engenharia, quer a dos artefactos, quer a dos produtos naturais, é um processo lento, sem autor, que resulta da acumulação de pequenos aperfeiçoamentos casuais pressionados pela necessidade e seleccionados pelo contexto.
Uma característica impressionante de qualquer máquina reside no facto de que nenhuma das propriedades que caracterizam a máquina enquanto máquina depender do material com que são construídas. É evidente que os materiais importam. Há materiais que garantem uma melhor conservação e duração, uns que são mais leves, outros porque são mais pesados, uns que são mais flexíveis, outros porque são mais rígidos; mas, a maior parte das vezes, o material empregue é o que se encontra mais à mão entre o que se presta a dar suporte à finalidade pretendida. Veja-se o caso dos ninhos.
O que faz a máquina ser máquina é o algoritmo da sua construção. Muitas máquinas vivem só no "cérebro" das pessoas, dos animais ou dos computadores: são as máquinas virtuais.
Vou dar um exemplo muito simples de uma máquina virtual: a tabuada da adição.
Para construirmos uma tabuada da adição, ou tábua do "mais", desenhamos um conjunto de colunas, na vertical, cruzadas com um mesmo número de linhas, na horizontal. Reservamos, como se diz em culinária, a linha do topo e a coluna mais à esquerda. Na primeira célula dessa coluna, que é também a primeira célula daquela linha, escrevemos o sinal "+" para nos lembrarmos que esta máquina é a tábua do mais. A partir da segunda célula e até à última dessas linha e coluna, escrevemos a sucessão dos números naturais: 1, 2, 3, ... até, suponhamos, ao 9. No quadrado interno a essas linha e coluna preenchemos, na segunda linha, 2, 3, 4, ..., até à última coluna; na terceira, 3, 4, 5, ... E continuamos o idêntico procedimento até preencher todo o quadrado interno. Está construída a máquina. A máquina destina-se a importar um par ordenado de números (chamados parcelas) e a transformar esse par num único número resultado (chamado soma). Essa transformação chama-se adição.
Só resta ver como funciona. Para isso vamos precisar de um manual de instruções que será, mais ou menos, como o seguinte:
1. Leia o primeiro número do par ordenado.
2. Com um dedo, procure esse número na primeira linha.
3. Leia o segundo número do par ordenado.
4. Com outro dedo, procure esse número na primeira coluna.
5. Desloque simultaneamente os dedos, o primeiro para a direita, o segundo para baixo, até se encontrarem.
6. Leia o conteúdo da célula. Esse é o resultado.
Por exemplo, se o par ordenado fosse (4,6), o resultado seria 10. Há outras máquinas de processar "operações aritméticas" como, por exemplo, a tabuada da multiplicação. Embora o procedimento de utilização seja exactamente o mesmo, o "algoritmo" da tabuada de "vezes" seria diferente, dando como resultado 24.
Este desenho pode ser feito na cabeça de uma pessoa, num papel usando um lápis, na areia da praia com uma vara, numa folha Excel num computador, numa ardósia, em tabuinhas de barro, numa TI, num brinquedo de plástico, onde quisermos. Eu prefiro fazer contas de cabeça, com uma lenga-lenga que me ensinaram na primária e que é de elevada eficácia: "quatro mais seis são dez, quatro mais sete são onze, ...". Acabaram com isso, infelizmente, com o argumento de que "sobrecarregava a memória". Que cambada de cretinos!
Nós temos a cabeça cheia de máquinas virtuais. São essas máquinas que produzem todo o trabalho que se faz no cérebro ... E que não é só "intelectual"! Estas máquinas são importadas de fora (da cultura, da sociedade, dos outros) e adquiridas por "aprendizagem" num contexto informal ou de "ensino". Há outras que são construídas pelo próprio cérebro (de cada um). E essas é que são mesmo interessantes. E é dessas que eu me ocupo preferencialmente neste blogue: as minhas, as tuas, as dos gatos.
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