O destroço do corpo de um homem no dia do corpo de deus
As narinas estão completamente obstruídas. Nenhuma brisa as perpassa, nem encontraria, se forçasse, a mais pequena fresta neste tampão rolhoso, apencadamente obsceno. Há uma vaga ameaça de sufoco, que nem a boca aberta, a pedir mosca, bocarra de peixe, vagina aspirante, cratera expelente. O ar, ao passar na garganta, retalha-a com as suas múltiplas lâminas afiadas. Por isso, tem que ser sorvido a conta-gotas. A boca está uma lástima, com a língua aftosa e as gengivas a sangrar. Controlo o reflexo da tosse, que tem que ser contido para não rasgar ainda mais a garganta. A tosse forma-se a meio do peito e empurra as costelas, que chocalham, em movimento ascendente. Ao passar da garganta para a boca arrasta consigo uma série de substâncias amargas que se vão diluir na boca como uma descarga de vacaria na ribeira milenar.
As têmporas e os gânglios do pescoço latejam ruidosamente ampliando-se no interior do ouvido. De fora, nada se ouve: tal é a congestão. As faces estão quentes, a abrasar, e os olhos lacrimejantes. Tiro os óculos, que pusera para ler, e aconchego este saco de ossos na dureza do colchão. Puxo os cobertores para me cobrir, embora não saiba ainda se estou a tiritar de frio se me estou a evaporar de calor.
Fecho os olhos. Desejo a noite, a escuridão, o olvídio.
2 Comentários:
quando o corpo controla o ser por completo
Ai, pobrezinho do Senhor Perdido.
Deus queira que melhore muito depressa. Vinha só dizer que fui ao cabeleireiro, mas até vou com remorsos.
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