6 de janeiro de 2011

Quadros (10)

A gata tinha duas preocupações no que respeitava à cozinha. A primeira, óbvia como se verá, consistia em proporcionar a cada membro do acampamento uma alimentação adequada às necessidades diárias de cada um sem pôr em perigo a reserva de recursos estimada suficiente para os dois dias seguintes. Competia a outros a reposição do armazenamento de água, lenha, alimentos e condimentos. A segunda, por mais estranho que pareça, era a de manter todos afastados da área da improvisada cozinha garantindo-lhe a exclusiva soberania sobre um domínio que a enchia tanto de prazer como de prestígio.

Porém, agora parecia tresloucada com a súbita notícia de que iria ter mais uma boca para alimentar. Ainda por cima de uma criança. Se os bípedes têm uma alimentação estranha e complicada, como não será a de uma cria. Possivelmente precisaria de leite e não havia nas redondezas uma fêmea que o proporcionasse. Que a boneca de trapos tinha empranhanhado, já toda a gente o sabia; mas o seu sistema mamário só iria estar preparado no segundo trimestre de gravidez e apenas funcionaria depois de ter parido. E o problema do leite parecia não ter solução. O cão propôs ingenuamente que a gata fizesse parte da solução o que complicou ainda mais as coisas porque a gata assanhou-se, sem uma explicação aparente, e quem pagou as favas foi o gato das botas que ficou com um pelada no quadril.

No resto do acampamento faziam-se outros preparativos: o casal de pica-paus derrubava árvores para a preparação de madeiras; o coelho utilizava o ouriço cacheiro para aplainar as tábuas; o cão e a lebre improvisavam o berço à medida em que os materiais vinham chegando; as cabritas andavam pelo vale a apanhar e a acartar ervas e palha, e o caracol andava de skate de um lado para o outro a coordenar os trabalhos. Só o gato se punha de lado a bater com o pingalim nas calças de montar e a rever-se no espelho imaculado das suas botas engraxadas.

Para ler a parte já publicada e em revisão visitar o site aqui.


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4 Comentários:

At 06/01/11, 22:51, Blogger Patanisca comentou...

Isto está a complicar-se, Ruizinho. Don't call for the straight jacket! Bizzu.

 
At 07/01/11, 20:02, Blogger Justine comentou...

Estás claramente a levar a melhor ao Lewis Carroll:))))

 
At 12/01/11, 00:11, Blogger Teresa Durães comentou...

por isto descrito sempre se considerou que o gato é realmente um animal superior.

Claro que o cão foi mais prático

 
At 14/01/11, 17:29, Blogger Rosa dos Ventos comentou...

Olha a Patanisca voltou! :-))
Desculpa mas fiquei verdadeiramente admirada...
Mete gatos?
Gosto!

 

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